Segundo os estudiosos, as sociedades de cultura mista não são características do Período Neolítico inicial, mas o foram na sua última fase. Seriam sociedades já estratificadas, divididas entre governantes e governados, em que a organização não era mais baseada no clã ou parentesco. Em lugar de uma única cultura neolítica, registra-se um conjunto de culturas, muito provavelmente distintas entre si. Por certo, havia tradições gerais, traços comuns que as identificavam; mas a aplicação regional dava expressões diferentes a esses princípios comuns; o cultivo, a olaria, a construção de choças, o aguçamento do machado pelo polimento. As comunidades em geral eram pequenas, aldeias ou vilas de extensão variável entre meio e três hectares. As choças eram de caniço, madeira ou pedras, recobertas de barro.
Cada aldeia se auto-abastecia com os recursos existentes dentro de seus limites ou redondezas, sem intercâmbio com outras aldeias e comunidades. Essa auto-suficiência e a ausência de especialização das funções constituem as primeiras características restritivas do Período Neolítico. Entretanto, nas aldeias e tumbas neolíticas mais primitivas, foram achados materiais trazidos de grandes distâncias. Isso prova quer a auto-suficiência não era tão completa como se pensava. E nem sempre eram artigos tão essenciais, como por exemplo a pedra de cortar (obsidiana), da Ásia anterior e Europa central, também foi encontrada em outras regiões bem distantes das primeiras.
Isso indica que também existiam alguns rudimentos de especialização intercomunal. Em várias partes da Europa e da Ásia anterior, foram exploradas pedreiras, e dessa atividade nasceram grupos mineiros, com técnicas complexas de perfuração de poços e abertura de galerias subterrânea. Do produto extraído se fabricavam machados melhores, depois distribuídos por extensas zonas. É provável que grupos mais primitivos tenham convivido com outros mais evoluídos e estabeleceram relações de troca. Assim, apesar da inicial auto-suficiência, estabeleceram-se entre vários núcleos um certo comércio de artigos não essenciais, num sistema de trocas. Nas cavernas de Dordonha, na atual França centro-ocidental, encontram-se, por exemplo, cunhas mediterrâneas trazidas do Sul.
Os grupos mais desenvolvidos relacionavam-se de modo mais intenso do que os grupos coletores. Mas o contato com o mundo exterior era sempre acidental e ocasional. Durante a maior parte do tempo, tiveram que adaptar seu modo de vida a um ambiente limitado. E as culturas se diversificavam porque cada ambiente oferecia a cada comunidade perspectivas peculiares de descobertas e invenções.
Ao que parece, a a estrutura do clã e do parentesco, nas comunidades, prevaleceu durante a revolução neolítica. A terra é propriedade do clã que a cultiva, enquanto as pastagens pertencem a todo o grupo. Em grupos estritamente cultivadores, o parentesco era fixado pela linha materna de descendência, graças ao importante papel que a mulher desempenhava na economia coletiva. Era o poder do matriarcado. Quando predominaram as atividades de produção (construção em geral, olaria, metalurgia, além da agricultura), a liderança econômica e social passou para o homem e surgiu o patriarcado. Todas essas instituições advieram da cultura mista.
Aos poucos, a dupla direção da economia (agricultura e pecuária) trouxe contradições. O aumento da população tornou necessária a expansão territorial. Só se poderia alimentar um maior número de indivíduos se fossem cultivadas novas terras, e descobertas novas pradarias para os rebanhos e manadas. Tinha-se domínio sobre as provisões e o ambiente, era até possível fazer previsões; em compensação, secas, inundações, tempestades e pragas podiam frustrar irremediavelmente os planos. Também as reservas eram reduzidas demais para uma situação dessas.
Foi justamente nesse ponto da civilização que surgiram as primeiras disputas. As antigas ferramentas utilizadas para o cultivo passaram a ser usadas em combate contra os adversários que disputavam as terras mais férteis. Mais tarde essas ferramentas foram aperfeiçoadas para a guerra.
Expandindo-se em busca de novas terras férteis, grupos diferentes acabavam muitas vezes se encontrando. E, à media que escasseavam as terras de fácil cultivo, a competição pelos territórios nem sempre se dava pacificamente.
Na realidade, a economia neolítica não oferecia nenhum estímulo material para produzir mais do que o camponês e sua família necessitavam até a próxima colheita. A comunidade pode sobreviver sem produzir excedentes, o que restringe sua produção, e portanto sua evolução.
As contradições só seriam superadas com o advento do excedente, ou seja, de uma produção superior às necessidades. Isso foi obtido através de um processo técnico e em especial pela utilização do metal (de início o cobre), com a consequente introdução da metalurgia.
Como consequência disso tudo, as atividades e a organização social sofreram mudanças substanciais. Outros setores de produção, extra-alimentares, são revistos e repensados. Concretiza-se e acelera-se o processo de divisão do trabalho, em gestação desde a sociedade neolítica comunitária; a primeira distinção nítida foi a que se verificou entre as funções espirituais e as materiais.
Já na sociedade neolítica, o guardador dos celeiros, o distribuidor de alimentos, enfim, o responsável pela subsistência da comunidade, tinha dentro dela um papel próximo ao de sacerdote. Como tal, encarregava-se do estudo do tempo de plantação e colheita, engendrando práticas mágicas para garantir seu prestígio. Aos poucos, sua atividade se apura cada vez mais até constituir prerrogativa de uma figura destacada das outras: o sacerdote. Quando o metal foi incorporado ao acervo da humanidade, surgiu nas comunidades uma classe inexistente até então: os metalúrgicos, que são os primeiros especialistas, os "técnicos" primitivos. Os "mistérios" do ofício eram transmitidos em herança, seu conhecimento é patrimônio de clãs privilegiados. É que a metalurgia é a primeira ocupação não-doméstica, destinada a satisfazer a demanda de toda a sociedade. Por conseguinte, os que a ela se dedicam devem viver do excedente de produção do restante da coletividade. Depois dos sacerdotes, talvez seja essa a primeira camada social a se afastar da mera produção de alimentos. Se a nova classe depende dos agricultores para subsistir, em troca ofereciam os utensílios que produziam para facilitar a produção de alimentos.
A adoção de ferramentas abala o regime de auto-abastecimento restrito. Cada indivíduo sacrificará sua independência, em troca de ferramentas que não pode produzir, e que só consegue obter pela troca. Nesse momento ficou evidente que era preciso produzir um excedente alimentar para que ele possa funcionar como objeto da troca pelos utensílios.
O mesmo se dá com a aldeia. O minério geralmente está localizado em montanhas áridas, e a matéria-prima quase sempre deve ser importada; seu uso regular cria um comércio de trocas de produtos essenciais. Numa unidade regional se vê na necessidade de obter materiais do exterior; é levada a intensificar a produção de alimentos, para manter os seus especialistas e para trocar com materiais de outras.
O homem já conhecia a importância das armas, tanto para garantir a proteção de seu território como para defender-se de invasores que, principalmente em épocas de secas, tentavam apoderar-se de seus suprimentos alimentares. Portanto já conhecia a guerra. Agora, com a evolução da economia, recorre a ela cada vez com mais frequência e ardor. Os guerreiros, antes escalados para proteção dos acampamentos lavradores, passam a formar uma camada social isolada. O metal foi ainda mais valorizado, porque as armas que dele se faziam eram mais eficazes.
A divisão do trabalho, além de fixar as atribuições de cada indivíduo ou grupo social, sinônimo de especialização, acarretou a partilha dos frutos do trabalho, sinônimo de propriedade. A partir daí, a histórias da civilização dispara; surge a roda, o caro de boi, o burro de carga, o barco a vela, e as novas invenções vão se sucedendo.
Os vales do Rio Nilo, do Tigre-Eufrates e do Indo foram o berço do fenômeno da produção, há mais de 5 mil anos. É nessa época que se registra a existência das primeiras cidade da história. Isso porque a produção agrícola assegurava condições de vida a uma população de artesãos especializados, comerciantes, sacerdotes, funcionários.
Vestígios da cidade mais antiga conservaram-se em Jericó, nas proximidades do mar Morto, na palestina. Eles testemunharam a superposição de cidades no mesmo espaço. A primeira delas, cujos edifícios e muros eram de barro, entrou em declínio; outra foi erigida sobre suas ruínas; outra sobre essa, e o processo repetiu-se várias vezes. Há depósitos de ruínas com 13 metros de altura, servindo de base a outros edifícios; são os "tel" (colinas), ainda frequentes em vários pontos de Israel e da Jordânia.
Nas diversas e sucessivas camadas dos "tel" podem ser analisadas as radicais modificações da cultura. Elas são o mais eloquente atestado da sedentarização dos povos. Os principais fatores que moldaram e continuam moldando a civilização, indubitavelmente são as condições geográficas, geológicas, econômicas, raciais e psicológicas.
A civilização é a ordem social que está permanentemente promovendo a criação cultural.
São quatro os elementos que constituem a formação civilizatória:
- A provisão econômica;
- A organização política;
- As tradições morais;
- O acumulo de conhecimento e as artes.
Tudo começa quando o caos e a insegurança chegam ao fim. Quando o medo é dominado, a curiosidade e a construtividade se vêem livres, e por impulso natural o homem procura a compreensão e o embelezamento da vida.
O homem sempre teve que obedecer à natureza. As cidades foram construídas com permissão dos terremotos e vulcões, por exemplo; eles podem simplesmente destruir tudo com a maior indiferença. Certos fatores condicionam a civilização, podendo estimulá-la ou embaraçá-la. Primeiro, as condições geológicas. A civilização é um interlúdio entre as eras glaciais; a qualquer momento a corrente de congelação pode retornar a encurralar a vida num segmento da Terra. Esse fator, em nossos dias, está cada vez mais presente devido ao descontrole ambiental e consequente aquecimento climático.
As condições geográficas têm enorme influência. O calor dos trópicos e os inumeráveis parasitos que os infestam revela-se hostis à civilização; a letargia, a doença e a precoce maturidade desviam das coisas não essenciais as energias que fazem a civilização e as enfocam unicamente no comer e no reproduzir-se; nada sobeja para o pábulo das artes e do espírito. A chuva é necessária porque a água é o médium da vida, mais importante ainda que a luz do sol; o incompreensível capricho dos elementos pode condenar à seca regiões outrora florescentes, como Nínive e Babilônia, ou pode dar força e riqueza a cidades aparentemente fora das principais linhas de transporte e comunicação, com as da Grã Bretanha ou do Estreito de Puget. Se o solo é fértil em produtos agrícolas e minerais, se os rios oferecem fácil via de transporte, se a linha costeira é provida de portos bem abrigados, e se, acima de tudo, uma nação está situada no trajeto duma rota comercial, como Atenas ou Cartago, Florença ou Veneza, então a geografia sorri e nutre a civilização, embora não a crie.
As condições econômicas são mais importantes. Um povo pode possuir excelentes instituições, um nobre código moral, e mesmo o senso das ates, como os índios americanos; mas se se perpetua no estágio da caça, se para existência depende da precariedade dos animais nativos, esse povo nunca passará da barbárie à civilização. Um povo nômade, como os beduínos da Arábia, pode ser excepcionalmente vigoroso e inteligente, pode revelar qualidades de caráter, como a coragem, a generosidade, a nobreza; mas sem o sine qua non da cultura, que é a continuidade da alimentação, essa inteligência se desperdiçará nos perigos da caça e nas tricas mercantes, e nada ficará para as amenidades, as artes e os requintes da civilização.
A primeira forma de cultura foi a agrícola; quando o homem se fixou para cultivar o solo. Nesse estágio passou a acumular provisões para o incerto dia de amanhã, e acha tempo e razão para civilizar-se. Dentro deste estreito círculo de segurança - bom suprimento de água e alimento - o homem constrói sua cabana, seus templos e escolas; inventa instrumentos de trabalho, domestica o asno, o cão, o porco, o boi, o cavalo e por fim a si mesmo. Aprende trabalhar com regularidade e ordem e, então, passa a viver mais tempo e transmite mais completamente aos filhos a herança mental e moral da raça.
A cultura sugere a agricultura, mas é a civilização que sugere a cidade. Sob um aspecto, a civilização é o hábito da civilidade; e a civilidade é o refinamento só possível na cidade. (A palavra civilização vem do latim - civilis - que pertence aos cidadãos civis e é comparativamente nova. Não aparece no dicionário do Johnson de 1772, ali ele preferiu usar a palavra civility). Para o bem ou para o mal, é para a cidade que refluem a riqueza e o cérebro produzidos pelo campo; na cidade a invenção e a indústria multiplicam o luxo, a comodidade, e o lazer. É na cidade que os mercadores se encontram e trocam mercadorias e ideias; nessa mútua fecundação dos espíritos, a inteligência se apura e é compelida a criar. Na vida urbana alguns homens se conservam fora do campo material e produzem ciência, filosofia, literatura e arte. Portanto, a civilização começa na cabana do camponês, mas só floresce nas cidades.
Estas são, portanto, as condições da civilização que independem da raça. Podem aparecer em qualquer continente e em qualquer cor; em Pequim ou Déli na Índia, em Mênfis ou na Babilônia, em Paris ou Londres, no Peru ou na península de Iucatã no México. Isso prova que não são as grandes raças que fazem uma civilização, mas sim as circunstâncias geográficas e econômicas que criam a cultura, que por sua vez, cria os novos tipos. Os ingleses não fizeram a civilização inglesa, esta é que fez o povo inglês; se ele a leva para onde vai, e se põe um "smoking" para um jantar no Tumbuctu (cidade no centro de Mali), isso não quer dizer que ela está impondo sua civilização; está apenas admitindo que é a sua civilização que dirige seus atos. Qualquer outra raça faria o mesmo, se fosse beneficiada pelas mesmas condições materiais que beneficiaram os ingleses; o Japão, por exemplo, reproduz no século XX a história da Inglaterra no século XIV. Portanto, a civilização se liga à raça unicamente no sentido de ser com frequência precedida pela fusão de várias estirpes, que gradualmente se assimilam num povo relativamente homogêneo.
Essas condições físicas e biológicas não passam dos pre-requisitos da civilização; não a constituem, não a geram. Sempre entram em jogo fatores psicológicos muito sutis. É preciso haver ordem política, mesmo que quase se aproxime do caos, como em Florença e Roma durante o Renascimento; os homens têm que sentir que há mais alguma coisa no mundo além da morte e dos impostos que são inevitáveis. É preciso que haja alguma unidade de língua, para mediação do intercâmbio mental. Por meio da Igreja, da família, da escola ou do que seja, é necessário que exista um código moral unificador, algumas regras do jogo da vida, aceitas mesmo pelos que as violam, que deem à conduta alguma direção e estímulo. Talvez também seja preciso unidade de fé, pode ser uma fé qualquer, utópica ou sobrenatural, que ele a moralidade de mero cálculo á devoção, e que, a despeito da sua brevidade, dê nobreza e significado á vida. E finalmente, deverá haver educação, que é o meio de transmitir a cultura. É graças à iniciação, imitação ou instrução, transmitidas pelos pais, professores ou orientadores, que a herança mental da tribo transfere-se às novas gerações, como o instrumento que elevou o homem acima da pura animalidade.
O desparecimento destas condições pode destruir uma civilização. Um cataclismo geológico ou profunda mudança climática; uma epidemia impossível de ser combatida, como a que abateu a metade da população do Império Romano sob o reinado dos Antoninos, ou a Peste Negra que pôs fim à Era feudal - (aqui lembro das superbactérias que pouco a pouco estão se firmando); a exaustão das terras ou ruína da agricultura devida à exploração exagerada dos campos pelas cidades, o uso indiscriminado de agrotóxicos que contaminam e tornam imprestáveis rios e terras cultiváveis, resultando em precária dependência da importação de víveres de fora; a escassez de recursos naturais como combustíveis e matérias primas; uma mudança nas rotas comerciais, que deixa uma nação em desvantajosas condições de tráfego; a decadência mental e moral devido ao urbanismo desordenado com a consequente queda da disciplina e a escalada da criminalidade. Podemos considerar também a alteração étnica com uma desordenada permissividade sexual ou uma filosofia pessimista ou quietista; a inferiorização da elite dirigente em virtude da esterilidade e do controle de natalidade pelos mais aptos, a relativa pequenez das famílias que melhor poderiam contribuir para a elevação da raça; uma patológica concentração da riqueza que determine guerra de classes, revoluções e exaustão financeira; eis alguns dos caminhos que levam as civilizações á morte.
Uma civilização não é coisa ingênita e imperecível, mas algo tem de ser de novo adquirido em cada geração, qualquer colapso no seu custeio ou na sua transmissão pode levá-la ao fim. O homem difere dos animais unicamente pela educação, a qual podemos definir como a técnica de transmitir civilização.
As civilizações são gerações de alma racial. Como a família liga as gerações e passam a herança dos velhos para o moços, assim também a escrita, a imprensa, o comércio e os meios de comunicação ligam as civilizações entre si, e preservam para as culturas vindouras todos os valores adquiridos. Antes que a morte sobrevenha, reunamos a nossa herança e oferecemo-la aos nossos filhos.
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