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sábado, 19 de dezembro de 2020

O NACIONALISMO E AS NOVAS FRONTEIRAS DA EUROPA PÓS GUERRA

 


            A Revolução Francesa, ao destruir  o antigo regime, foi a grande catalisadora  das mudanças na Europa. Os exércitos revolucionários levavam consigo são somente o lema de "liberdade, igualdade e fraternidade", mas as ideias de liberalismo, autogoverno e nacionalismo que seriam os termas centrais da história européia no século XIX e XX. Mesmo antes de 1789, como uma reação contra o espírito racional, alguns escritores, como Helder (1744 - 1803, haviam destacado o sentido de identidade nacional. Entretanto, o Estado ainda era considerado como um patrimônio dinástico, como um latifundiária ao qual a os proprietários menores deviam lealdade e servidão. Essa concepção foi desafiada pelos governo revolucionários franceses, que instigaram os povos oprimidos a levantarem-se contra seus amos e governantes. Contudo, foi a opressão francesa  sob Napoleão que provocou reações nacionalistas na Espanha, na Rússia, no Tirol e, por último (depois de 1807, na Alemanha. Ela foi uma das causas do nacionalismo do final do século XIX. 
            Apesar de tudo, não se deve exagerar a força do nacionalismo na primeira metade do século XIX. Até 1866, a maioria dos alemães e italianos tinham mais interesse pelos seus governantes e cultura provinciais (bávara, de Hesse,  toscana, emiliana) do que pelo ideal da unidade nacional. Somente onde havia governos estrangeiros surgiam protestos exaltados, principalmente das classes médias (advogados, professores e comerciantes). Na Itália contra a Áustria, na Irlanda contra a Inglaterra, na Bélgica contra a Holanda, na Grécia contra a Turquia, na Polônia contra a Rússia e na Noruega contra a Suécia. Estes protestos poucas vezes afetavam as massas camponesas, isto é, o grosso da população européia da época. Inclusive o Império Otomano - apesar do incompetente governo turco, cada vez mais corrupto e opressivo, e do ressentimento dos cristãos contra o poder absoluto dos muçulmanos - havia uma pequena oposição nacionalista ativa,exceto na região que, durante a década de 1820, seria convertida no centro da Grécia moderna. No vasto Império Austríaco, que governava uma grande variedade de nacionalidades, somente se mostraram inquietos os tchecos e os húngaros; ambos os povos, orgulhosos de um passado independente, buscavam a autonomia dentro do império e não a independência nacional.
           Por outro lado, depois da derrota de napoleão em 1815, as potências vitoriosas mostravam-se hostis às aspirações nacionalistas, que associavam, com razão, ao liberalismo e viam como uma ameaça à autoridade constituída. No Congresso  de Viena, as potências adotaram, sob a influência da Talleyrand e Metternich, o princípio da "legitimidade" como base para retraçar o mapa da Europa. Metternich pensava que a qualquer concessão ao nacionalismo seria fatal para a Áustria e resistiu em todas as frentes até 1848. Nesse período, somente a Grécia e a Bélgica (1830) conseguiram a independência e, em ambos os casos, existiam circunstâncias, em particular, a rivalidade  das Grandes Potências. Em outras partes, como a Polônia (1831 - 1846), na Alemanha  (1848), na It´palia (1848) e na Hungria (1849, devido a desacordos internos e à solidariedade das potências conservadoras, os levantes nacionalistas  fracassaram. O poloneses, dispersos em três  impérios, continuaram sendo um povos submetido até 1918/19. Os húngaros, entretanto, aproveitando a debilidade austríaca em sua guerra contra a Prússia, usaram de habilidade para obter o mesmo status que a população de idioma germânico, segundo o  Ausgleich (compromisso de dualidade austro-húngaro) de 1867. 
           Na Itália e na Alemanha, o provincianismo e a apatia foram superados pelas políticas expansionista do Piemonte e da  Prússia. Depois de 1854, a nova geração de estadistas europeus não conseguiu preservar a antiga ordem, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento comercial e industrial dava um novo impulso ao desejo de unidade nacional. A nacionalidade emergiu, então, como uma força estabilizadora;isto é, pensava-se que os Estados nacionais unificados não teriam maiores ambições e alguns apóstolos do nacionalismo, como Mazzini (1805 - 1872),  prognosticavam uma nova era na qual os estados nacionais, uma vez estabilizados, cooperariam pacificamente numa federação democrática de povos. Depois de 1870, ficou claro que isso era uma ilusão. É certo que antes de 1918 os tchecos da Boêmia haviam aspirado mais do que a autonomia dentro do Império dos Habsburgos e que os eslavos da Bósnia e Herzegovina se conformavam em trocar o domínio turco pelo austríaco, mas apesar disso as ideias nacionalistas se propagavam rapidamente, em especial entre os povos dos Bálcãs. Ainda que o critério básico da nacionalidade fosse o idioma, os grupos linguísticos estavam tão entremeados que uma divisão baseada na língua era absolutamente impraticável, sobretudo na península dos Bálcãs. Por outro lado, aqueles que desejavam recuperar seus irmãos perdidos há tempos nem sempre reconheciam o idioma como o único critério de nacionalidade. Na Macedônia, os gregos, os sérvios e os búlgaros estabeleceram demandas nacionalistas muito conflitantes e, do mesmo modo que os nacionalistas do Império Habsburgo, expressaram-nas em termos de folclore, da literatura, da história nacional e das teorias raciais e linguísticas. Em consequência, por volta de 1913 os turcos haviam perdido quase todas as colônias na Europa. As preocupações nacionalistas, entretanto,não estavam confinadas somente aos Impérios Turco ou Habsburgo: a Grã-Bretanha tinha problemas com a irlanda e a Noruega exigia sua separação da Suécia.
             O sistema de alianças que existia antes da guerra não contribuía para melhorar esta situação. No ano de 1872, para isolar a França, realizou-se a Aliança dos Três Imperadores ( Alemanha, Rússia e Áustria), que foi renovada em 1881. Uma ano mais tarde, em 1882, formou-se a Tríplice Aliança, mas desta vez entre a Alemanha, a Áustria e a Itália. Em 1891, devido aos problemas nos Bálcãs, a Rússia afastou-se da Aliança dos Imperadores e, em 1894, assinou um tratado com a França. 
           A Inglaterra, que manteve uma política de isolamento no continente, estabeleceu uma "Entente Cordial"com a França em 1906, que terminaria por se converter na Tríplice Entente em 1914. 
            Estes blocos se enfrentavam na guerra e a perda do caráter das alianças e sua pouca flexibilidade tornara impraticável um entendimento que desse como resultado a paz. 
                Os tratados de paz de 1919 apoiaram-se numa série de pactos e alianças, que tinham como objetivos principais: que a Alemanha tratasse de reverter o veredito da Primeira Guerra Mundial; levantar um "cordão sanitário"contra os bolcheviques da Rússia; conservar os ajustes territoriais na Europa Oriental e evitar a revisão  dos tratados, sobretudo os da Hungria. O mapa da Europa mudou radicalmente e mostra claramente a posição chave da França aliada à Polônia, como principal pilar da Pequena Entente e o relativo isolamento dos dois "intrusos", isto é, a Alemanha (que somente recuperou a liberdade de ação depois de 1934) e a União Soviética.
              A queda das Potências Centrais no outono de 1918 e os tratados de paz que os aliados assinaram posteriormente - o de Versalhes com a Alemanha (28 de junho de 1919), de Saint Germain com a Áustria (10 de setembro de 1919), Neuilly com Bulgária (27 de novembro de 1919) e de Trianon com a Hungria (4 de junho de 1920) - deram origem a importantes mudanças nas fronteiras. Criaram-se novos Estados e expandiram-se os que tiveram a sorte de permanecer ao lado dos vencedores. Estes novos Estados foram a Finlândia, a Estônia, a Letônia e a Lituânia (todos independentes da Rússia, seu antigo senhor); a Polônia (reconstituída a partir dos restos dos três impérios que participaram de sua divisão no século XVIII); A Tchecoslováquia, que abrangia as antigas "Terras da Coroa" dos Habsburgos: Boêmia, Morávia e Silésia, junto à Eslováquia e a Rutênia dos Carpatos, ex-território húngaro; e a Iuguslávia, que reagrupou os territórios dos antigos reinos independentes da Sérvia e Montenegro, as terras da ex-coroa croata, as ex-províncias turcas da Bósnia e Herzegovina e as províncias dos Habsburgos na Eslovênia e Dalmácia. A Romênia teve uma enorme expansão territorial, recebendo a Transilvânia, a Bucovina , a Bessarábia e a Dobrudja meridional, que pertenceram respectivamente à Hungria, Áustria,  Rússia e Bulgária. A Itália se anexou o sul do Tirol (Alto Adige) e Trieste, a ex-província da Istria dos Habsburgos. A França recuperou a Alsácia e Lorena e a Belgica guardou para si as pequenas regiões de Eupen e Maldédy. Os plebiscitos que se realizaram nas regiões disputadas da Alta Silésia, Marienwender, Allenstein e  Schleseig terminaram em soluções relativamente  satisfatórias a partir do ponto de vista étnico, apesar de os poloneses terem feito grandes esforços para anexar a Alta Silésia pelas armas. 
            Em todos os demais assentamentos, os elementos étnicos ficaram tremendamente insatisfeitos. Os descontentamentos espalharam-se por todo o mapa da Europa do leste, salvo em algumas  regiões fronteiriças entre a Grécia e a Turquia, onde, no final da guerra grego-turca de 1920/22, negociou-se um grande intercâmbio de populações. Dantzig e os territórios da Sarre ficaram  sob a soberania do Alto Comissariado da Liga das Nações, e o Sarre foi devolvido aos alemães em virtude de um plebiscito realizado em janeiro de 1935. A paz com a Turquia foi adiada até a assinatura do Tratado de Lausanne em 24 de julho de 1923, devido à dificuldade que tiveram os aliados para impor condições a um renascente movimento nacionalista turco, apesar de obterem o apoio dos gregos. A colonização na fronteira oriental da Europa teve de esperar o triunfo dos bolcheviques na guerra civil russa, o rechaço à invasão da Rússia pela Polônia e a invasão da Polônia pelos soviéticos. As potências ocidentais propuseram uma mediação para estabelecer a fronteira na Linha Curzon (Conferência de Spa em julho de 1920).  Finalmente, a fronteira fixada em virtude do "Tratado de Riga", em outubro de 1920, deixou em território polonês uma minoria bastante significativa  de russos brancos e ucranianos. 
           A destruição do império dos Habsburgos,o desarmamento da Alemanha e as consequências da revolução e da guerra civil russa alteraram por completo o equilíbrio do poder na Europa. Teoricamente, em termos de população e de capacidade industrial, a Alemanha ficava sem contrapeso na Europa Central. A única esperança dos países que podiam perder com uma revisão dos tratados de paz era que a aliança mantivesse uma força militar avassaladora, capaz de enfrentar qualquer ressurgimento do poderio alemão. A França tratou de manter a Alemanha em seus limites, assinando alianças  com os novos Estados da Polônia e da Tchecoslováquia e recorrendo ao tema das reparações de guerra. Entretanto, os esforços da França por instigar um movimento separatista na região do Reno e sua ocupação na região do Ruhr, em 1923, para obrigar a Alemanha a pagar reparações de guerra, foram desastrosos. A partir desse momento, a Alemanha e a França se aproximaram mais e o Tratado de Locarno em 1925 estabeleceu um sistema de garantias ao longo das fronteiras franco-alemã e belga-alemã. A Alemanha incorporou-se à Liga das Nações em 1926, mas ao mesmo tempo assinou um pacto de amizade e de não agressão com a União Soviética; as tropas francesas e inglesas que ocupavam a região do Reno foram retirando-se sistematicamente e as potências europeias iniciaram conversações para chegar a um acordo de desarmamento mundial. 
              Apesar de todas essas providências, o equilíbrio continuou precário. Em 1929, a Europa aparentava ter, pelos menos superficialmente, um sistrema estável  que constituía uma garantia contra qualquer conflito bélico pelas sanções estabelecidas no Pacto da Liga das Nações. Entretanto, ficou demonstrado o quão ilusória era esta segurança quando a conquista de Vilna (Lituânia) pela Polônia já  em 1920, e  a ação naval da Itália contra a ilha grega de Corfu, em 1923, ficaram impunes. Outras fraquezas eram a falta de estabilidade da política interna de muitas das potências europeias, sobretudo na Europa Oriental, e a fragilidade do sistema econômico internacional. A tensão causada pela guerra de 1914 a 1918 e as imperfeições dos acordos de paz, assim como os importantes e< às vezes, desastrosos surtos inflacionários produzidos pelos ajustes, juntaram-se para fortalecer os grupos, partidos e movimentos antiparlamentares e revolucionários, tanto de esquerda como de direita, que saíram fortalecidos da guerra. A revolução Russa levou à formação de uma Terceira Internacional Socialista (Komintern). A insistência da Rússia em que todos os movimentos e partidos que se afiliassem a ela tinham de seguir suas instruções e modelo de organização dividiu os partidos socialistas da Europa em facções rivais; esta divisão, entre os socialistas parlamentares e os comunistas revolucionários, tornou inevitável sua derrota pela direita. Alguns dos novos regimes e movimentos se organizaram sobre a base de ideias totalitárias nacionalistas, de acordo com o modelo do fascismo italiano, que alcançou o poder em 1922. Outros (Polônia, Iugoslávia e Grécia) foram simples tiranias militares burocráticas. na Alemanha, levantamentos armados e distúrbios públicos generalizados criaram um ambiente de guerra civil incipiente, até a recuperação econômica em 1924. A Grã-Bretanha sofreu uma série de greves que culminaram na Greve Geral em 1926; a Irlanda se viu assolada, entre 1919 e 1922, por uma violenta guerra de guerrilha entre as forças nacionalistas, que formaram o seu próprio governo clandestino em 1919, e as forças armadas inglesas. O entendimento de 1921 manteve o Ulster, reduto dos leais e protestantes, sob o poder do governo britânico e converteu a Irlanda em um domínio do império, mas originou um doloroso confronto dentro do Novo estado Livre da Irlanda entre radicais e moderados, que somente foi resolvido em 1923. 
             A estabilidade dos anos 1925 a 1929 foi mais aparente que real e, com o início da depressão financeira e econômica, o caos retornou à Europa. O desemprego aumentou de forma dramática na Alemanha e na Grã-Bretanha. Na Alemanha, os movimentos antiparlamentares de direita e de esquerda, nazistas e comunistas, incrementaram tremendamente seu poder depois de 1930. Na Alemanha, após o fracasso de Bruning, Papen e Schleicher em formar um governo nacional eficiente, Hitler foi nomeado chanceler em janeiro de 1933 e os nazistas começaram a absorver ou a abolir todos os demais partidos. Na Grã-Bretanha, por outro lado, um governo "nacional", que obteve uma grande maioria nas eleições gerais de 1933, manteve o controle parlamentar. 
             Com a vitória de Hitler e a fragilidade econômica da Grã-Bretanha e a da França (onde o governo de Daladier foi deposto em 1934 por violentas manifestações de direita), o precário equilíbrio de paz da Europa ficou irremediavelmente prejudicados. A Primeira Guerra Mundial não somente destruiu os três principais impérios europeus, bem como desprestigiou o sistema econômico e político existente. os novos Estados herdaram como governantes os opositores parlamentares das antigas autocracias, que assumiram a responsabilidade pela derrota e o caos econômico que se seguiu. Para a direita eram traidores; para a esquerda, arautos da recessão econômica e do desemprego. Inclusive onde os regimes parlamentares sobreviveram à inflação desenfreada e ás desordens civis que tiveram lugar entre os anos 1919 e 1923, não foram capazes de  suportar as tensões de uma nova depressão. Além disso, a organização da cooperação internacional recentemente criada, a Liga das Nações, ainda com a incorporação da União Soviética em 1934, não pode resistir á pressão dos poderes que a formavam. Os povos da Europa sofreram demasiadas mudanças e desastres a partir de 1914. Não é de se estranhar, portanto, que tanta gente tenha acreditado nas promessa de um governo autoritário sem perguntar seus objetivos nem pedir credenciais a seus líderes. 
              
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