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sábado, 21 de novembro de 2020

O FIM DA IDADE MÉDIA E AS NOVAS MONARQUIAS

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      Ainda sob as sequelas da Peste negra, poucos observadores poderiam ter previsto que a Europa Cristã alcançaria a força política, econômica e tecnológica necessária para dominar o planeta. Seus Estados eram numerosos, pequenos e fracos, e permanentemente estavam desperdiçando suas energias em guerra destrutivas. A economia era precariamente desenvolvida e 90% da população morava em zonas rurais, trabalhando em atividades agrícolas de subsistência. A peste continuou incidindo periodicamente sobre a Europa, desde fins do século XIV até meados do século XVII. A expansão do Império Otomano continuava; próximo ao ano 1400, Bulgária e Sérvia estavam sob seu controle; Constantinopla caíra em 1453 e no início do século XVI todos os países dos Balcãs até Hungria e Transilvânia estariam sob o domínio islâmico. A Igreja Católica, já aflita pelo inconformismo e os desentendimentos, experimentou um profundo cisma ideológico devido à Reforma do século XVI, provocando lutas entre vizinhos e nações. mesmo assim, próximo ao ano de 1600, a Europa estava empenhada  em conseguir o controle da maior parte do mundo. 
         Mas, como isso aconteceu? Quais foram as forças que possibilitaram à Europa esquecer o mundo medieval e se projetar rumo à nascente era moderna? As razões que explicam este progresso são muito variadas. Por um lado, o crescimento econômico que havia começado no século XIII continuava apesar das desgraças; não foi um crescimento rápido, mas, em compensação, surgiu uma habilidade crescente para organizar eficazmente os recursos e adaptar-se às circunstâncias e oportunidades junto a uma vigorosa capacidade empresarial. Por outro lado, o desenvolvimento dos estudos seculares, principalmente o humanismo clássico, a ciência e a tecnologia, construiu uma força importante que floresceu no Renascimento europeu. O maior benefício destes fatores foi o crescimento das Nações-estados (precursoras de muitos Estados europeus modernos), sob a liderança de numerosos monarcas esclarecidos e  progressistas.   
         Uma circunstância concomitante da Nação-Estado foi o desenvolvimento de um novo corpo político: poderosas e complicadas burocracias e cortes, forças armadas mais profissionais e,acima de tudo (e talvez o mais importante), a aceitação de que o conhecimento, organizado e explorado de forma adequada, significa poder. 
        No fim do século XV, os avanços registrados no campo da navegação, com a confecção dos primeiros mapas e o aparecimento da bússola, favoreceram as viagens a lugares afastados. Com isto iniciou-se uma nova e apaixonante etapa da História humana, que marcou uma linha divisória entre o mundo medieval e o moderno, onde o Oceano Atlântico ofereceu extraordinárias e ambiciosas  perspectivas de abastecimento, de novas rotas comerciais, de novos e inexplorados territórios. O interesse pela exploração geográfica e pela conquista de lugares desconhecidos estimulou as vocações marítimas dos países da costa atlântica européia, especialmente Portugal e Espanha, que através de suas primeiras explorações e conquistas (Madeira, em 1421; Açores e cabo Verde, 1460; e Ilhas canárias etc.) introduziram os métodos que possibilitaram o descobrimento da América por Colombo e a circunavegação da Terra por Magalhães durante a última década do século XV e as primeiras décadas do século XVI. 
       Com estas transcendentais viagens exploratórias, os europeus alcançaram uma liderança política internacional, conseguindo uma importante superioridade para o futuro próximo: o domínio dos mares e o controle do comércio ultramarino. 
          O historiador indiano Panikkar descreveu o período compreendido entre 1498 e 1947, do descobrimento da rota marítima à Índia por Vasco da Gama até a declaração da independência desta nação, como a era européia da História Universal. Apesar de um certo grau de exagero, existe algo de verdade.A maior parte das civilizações medievais havia desenvolvido principalmente contatos terrestres, sendo os marítimos menos importantes. Desde o ano 1500 estabeleceu-se um contato direto, por via marítima, entre os continentes. Como resultado, o cenário da História não apenas expandiu para regiões que até então haviam percorrido seu próprio caminho, mas também rompeu-se o antigo equilíbrio entre as civilizações euro-asiáticas baseado nas contiguidades terrestres. As consequências seriam três séculos de conquistas, ocupações e colonialismo europeu em expansão e o surgimento de uma comunidade internacional liderada pela Europa e sua civilização até meados do século XX. 
          Como consequência dos retrocessos econômicos e políticos do século XIV, não existia nenhum Estado dominante na Europa ao redor do ano 1400. Alemanha e Itália estavam fragmentadas e nenhuma delas exercia uma influência. No leste, os poderosos Estados do século XIV desintegraram-se e os novos impérios, como os de Casimiro IV da Polônia (1447 - 1492) ou Matias Corvino da Hungria (1458 - 1490), resultaram insignificantes. No oeste, a Península Ibérica caía vítima da guerra civil, enquanto a França estava dividida pela feroz luta entre Borguinhões e Armagnacs, situação que piorou ainda mais quando Henrique V da Inglaterra (1413 - 1422), aliado da Borgonha, invadiu a Normandia no ano 1415 e estendeu o domínio inglês até o Loire. 
           este último equilíbrio instável rompeu-se depois em 1450. Os moscovitas e os otomanos dominaram rapidamente extensas zonas das estepes e das planícies da Europa Ocidental. No oeste, a Borgonha, a estrela nascente do século XV, aparentemente destinada a tornar-se uma potência líder entre a França e a Alemanha, foi dividida após a morte de Carlos, o Temerário, no campo de batalha no ano 1477. Já os ingleses foram expulso do território francês, exceto de Calais,em 1453. na Espanha, os reinos guerreiros de Castela e Aragão uniram-se em 1479, e em 1492 suas forças econômicas complementaram a reconquista da última fortaleza islâmica no país. Na Inglaterra, a perda da Normandia no ano de 1450 e os fracasso na França provocaram uma guerra civil, que ficou conhecida como a "Guerra das Duas Rosas". No entanto, depois de 1485, uma nova dinastia, os Tudor, conseguiu restituir a ordem e estender o controle real nas regiões mais afastadas mediante o Conselho do Norte e o Conselho da Marcha e de Gales. na Alemanha, uma série de alianças dinásticas uniram as terras dos Habsburgos com as de Luxemburgo em 1437 e Borgonha em 1477. Todas estas possessões, e posteriormente as da família imperial espanhola, foram legadas ao imperador Carlos V (1519 - 1556), tornando-o no maior dos monarcas cristãos desde Carlos Magno. Ele ampliou cada uma destas heranças e o temor da hegemonia dos Habsburgos dominou a Europa por dois séculos.  
          Os estados que conseguiram estas conquistas territoriais eram muito diferentes das monarquias feudais dos séculos XII e XIII. Falava-se de  novos conceitos na arte de governar, exemplificados para as gerações posteriores pelo famoso tratado de Maquiavel, O Príncipe,  e criaram-se  novas instituições para aumentar a autoridade do rei.  Novos tribunais, como a Câmara Estrelada Inglesa, estabeleceram-se para impor a lei e a ordem:; foram introduzidos novos impostos, como a taille francesa de 1439, e mecanismos para arrecadá-los. No campo internacional, em,baixadores permanentes vigiavam as ações dos Estados vizinhos. Também houve um notável crescimento dos exércitos e das armas. Na França, regimentos regulares reais, antecessores do Exército permanente, foram recrutados a partir do ano 1445, e Luiz XI (1461 - 1483) pôde dispor das melhores colunas de artilharia da Europa nas suas lutas contra inimigos estrangeiros e vassalos poderosos. As forças armadas do rei da Espanha contavam somente com 30 mil homens em 1470; porém, sessenta anos depois, haviam chegado a 150 mil. 
       A atitude dos novos monarcas foi manifestada  por Matias Corvino quando disse, perante uma assembléia silesiana no ano de 1474, que era "senhor e rei" e que o que ele e seus conselheiros consideravam o melhor para eles era "atuar como vassalos obedientes". Os habitantes de muitos países, principalmente as classes comerciantes, estavam dispostos a tolerar esta forma de absolutismo real em troca de segurança e do fim da guerra civil. A recuperação econômica, efetiva dese 1450, ajudou gerando mais impostos. A guerra civil e as recentes economias haviam enfraquecido a antiga nobreza, sendo a Igreja submetida também a um crescente controle real. Em várias concordatas com a Áustria (1448), a França (1516) e a Espanha (1526), o papado foi obrigado a conceder direitos de grande importância sobre as Igrejas nacionais e em vários países protestantes o governante assumiu abertamente o controle sobre os assuntos espirituais. Henrique VII da Inglaterra, por exemplo, declarou-se em 1534 o Líder Supremo da Igreja da Inglaterra. Contudo, a organização institucional das novas monarquias era mais frágil do que parecia, e sua suposta modernidade não escapava ao superficialismo. O novo e exaltado sentido de autoridade do príncipe se projetou no futuro, porém, monarcas como Carlos, o Temerário, de Borgonha e maximiliano I da Áustria, e inclusive Carlos V, que abdicou em 1556 e passou seus últimos anos em reclusão monástica, mantiveram-se fiéis aos ideais da época dos cavaleiros. O Estado secular, no qual a política está divorciada da religião e organizada em torno de um sistema de governo impessoal, centralizado e unificador, estava ainda a dois séculos de distância; as  novas monarquias eram, no melhor dos casos, suas precursoras. 
       Os acontecimentos dos últimos anos do século XV abriram um futuro econômico promissor para a Europa. Com o descobrimento da América pelos espanhóis e a chegada dos portugueses à Índia, o comércio e as finanças, que realmente haviam ultrapassado o contente, estenderam seus horizontes até lugares remotos do globo terrestre. As novas oportunidades para obter lucro logo transformaram os modelos tradicionais do comércio medieval nas estruturas básicas do mundo comercial moderno. 
          No ano de 1500, a riqueza e o desenvolvimento urbano estavam concentrados principalmente  em torno do mediterrâneo e basicamente na Itália. Ali, com exceção de paris, era onde estavam as únicas cidades com mais de 100 mil habitantes: Nápoles, Veneza, Milão e Constantinopla. Nesta última, mantinha-se o equilíbrio entre o norte e o sul  e entre a Europa e o Oriente. Via terrestre,desde a Ásia e o Levante, as caravanas árabes, falidas pelos altos custos dos intermediários, transportavam especiarias, sedas, algodão e medicamentos. Através do Saara, chegavam o ouro e o marfim. Via marítima, Veneza garantia as viagens e organizava as frotas de galeras mercantes que navegavam o Mediterrâneo e, inclusive, aventuravam-se além de Gibraltar para a Inglaterra e Flandres. De Veneza a Nápoles, a duração de uma viagem por terra era de  9 dias, de 27 dias até Londres ou 46 dias até Lisboa e, via marítima,de 65 dias até a Alexandria. 
        No norte, o comércio e o povoamento eram mais escassos. Inclusive entre as famosas Reichstadte do sacro Império Romano-Germânico, apenas Augsburgo e Colônia podiam sustentar mais de 40 mil cidadãos. Caminhos ruins, transporte precário e a lentidão das comunicações acentuavam as diferenças regionais, isolando as comunidades num caleidoscópio de mercados locais. 
           Apesar das dificuldades, as conexões italianas chegavam a todos os lugares. Os Médicis de Florença, seguindo o exemplo dos Bardi e Peruzzi um século e meio antes, controlavam importantes sucursais bancárias nas principais capitais setentrionais. O norte especializou-se em produtos marinhos, agrícolas, mineiros e florestais, muitos dos quais eram monopolizados pelos mercadores da Liga Hanseática.  A Hansa era uma associação de  cidades alemães que promovia monopólios comerciais, conseguindo privilégios exclusivos na Escandinávia, nos Países Baixos, R[ussia, Alemanha e Inglaterra. Suas atividades estavam baseadas principalmente numa rede de cidades na Alemanha e quatro grandes feitorias ou kontore: o Tyskebrugge em Bergen (madeira e peixe), o Peterhof em Novgorod (couros), o Steelyard em Londres (lã e tecidos) e as Assembleias em Bruges (tecidos).  este último foi o principal entreposto de armazenagem que unia os interesses do Mediterrâneo com os do Báltico e o Mar do Norte, até que a capacidade do seu porto foi excedida no fim do século XV. Enquanto isso, as exigências de crédito e pagamentos necessários para facilitar a movimentação de mercadorias ainda eram satisfeita pelas grandes feiras periódicas que haviam surgido durante a Idade Média. Depois da breve prosperidade de Genebra, a feira de Lyon tornou-se a mais famosa do século XV, devido á sua estratégica localização na grande rota comercial do vale do Ródano. 
            No entanto, a estrutura do comércio tradicional era cada vez menos adequada. Já não podia mais dar continuidade às oportunidades oferecidas pelo Atlântico: os fluxos crescentes de ouro e de prata e as façanhas comerciais dos mescadores de Portugal e da Espanha. Próximo a 1550, estas duas grandes potências coloniais não somente haviam descortinado o mundo, mas também descobriram a necessidade de investir em novos métodos e instituições. Portugueses e espanhóis precisavam desenvolver uma tecnologia  avançada para conquistar os oceanos, descobrir rotas marítimas mais rentáveis e treinar os marinheiros para dominar ventos e correntes diferentes daquelas que existiam nos mares Adriático e Egeu. Surgiram novas estruturas de mercado para satisfazer  as variadas solicitações e necessidades. As feiras periódicas deram passagem a mercados mais permanentes, abertos todos os dias da semana e o ano inteiro. Com o eclipse de Bruges, a comunidade mercantil se deslocou para Antuérpia, sobre o Rio Scheldt, que se tornou um ponto de encontro para a Europa graças ao seu acesso ano reno, às cidades produtoras de tecidos de Flandres Meridional e a suas  versáteis  e convenientes facilidades financeiras. 
         Junto com o desenvolvimento do comércio surgiu uma nova geração de prósperos mercadores e banqueiros, destacaram-se  os Függers de Augsburgo. Ainda que a Hansa e Bruxelas houvessem declinado de forma progressiva e as potências ibéricas crescido vigorosamente, depois de um retrocesso inicial, Veneza  encontrou uma maneira de chegar a um acordo com os portugueses. O equilíbrio das forças políticas e econômicas estava mudando. Quando Carlos V subiu ao trono imperial em 1519, ficaram reunidos sob um único monarca todo o Sacro Império Romano-Germânico, a Espanha, os Países Baixos, a Alemanha, a Áustria e a maioria do Novo Mundo, sendo em grande parte os Függers aqueles que haviam financiado esta empreitada. De origem camponesa a dedicado à exploração da prata, cobre e mercúrio, esta família alemã tronou-se imensamente rica e poderosa ao converter-se em agiotas da corte e da aristocracia.  Como a garantia, habitualmente o Függers exigiam direitos ao monopólio sobre diversas atividades comerciais, de mineração e sobre a arrecadação de impostos públicos. Controlavam a alfândega espanhola e ampliaram gradativamente sua influência através de todo o império e suas colônias de ultramar. Suas operações estendiam-se de Dantzig até Lisboa, de Budapeste até Roma e de Moscou até o Chile. Certamente, o famoso empréstimo que fizeram em 1552 a Carlos V em Villach salvou, provavelmente, sua campanha militar da derrota. 
                Ao desenvolver as atividades bancárias, as cartas de crédito e os cheques, os mercadores italianos do século XIV estavam copiando uma invenção muçulmana.Entretanto, inicialmente estes estiveram limitados às empresas privadas. Somente a partir de 1580 surgiram bancos públicos de importância, avalizados pelos Estado: o Banco de San Giorgio, de Gênova (1584, e o Banco Rialto, de Veneza (1587, na Itália; e depois, na Europa Setentrional, o Banco de Intercâmbio, de Amsterdã (1609), e o Banco de Hamburgo (1619). A quantidade de dinheiro administrado por estas instituições era colossal. A partir de 1580, os bancos genoveses manejavam mais de 11 milhões de libras esterlinas cada ano, isto é, aproximadamente, trinta vezes o total das receitas anuais da Inglaterra de Elizabeth I e seis vezes as da Espanha, o estado europeu mais rico do seu tempo. 

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