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segunda-feira, 23 de março de 2020

O MUNDO HELENÍSTICO



Helenismo vem do grego e quer dizer "viver como os gregos".
                 O período helenístico refere-se período da história da Grécia e de parte do Oriente Médio compreendido entre o morte de Alexandre magno em 323 a.C. e a anexação da península grega e ilhas por Roma em 146 a.C. 
                    Quando houve a difusão da civilização grega, a influência foi tão grande que, mesmo após a queda do império, a cultura helenística continuou predominando em todos os territórias anteriormente dominados por eles. Posteriormente os reinos helenísticos foram aos poucos sendo conquistados pelos romanos. 
                  Alexandre transformou o mundo grego ao tornar disponíveis os recursos do Oriente  Médio. Três potências principais surgiram: a primeira com a capital em Pela, correspondia ao velho reino da Macedônia, despojado das conquistas asiáticas, mas ainda dominando a Grécia. A segunda potência apareceu no Egito, cuja capital era agora Alexandria, recém-fundada por Alexandre. Um habilidoso soldado-historiador chamado Ptolomeu (Sóter ou Salvador)estabeleceu nova dinastia e estendeu seus interesses até a palestina, onde confrontou-se com o terceiro reino, o Selêucida. 
                      As riquezas dos territórios conquistados por Alexandre  atraíram milhares de gregos e macedônios, que emigraram para ocupar postos administrativos ou militares e dedicar-se à agricultura e ao comércio nas longínquas regiões dominadas. Médicos, cientistas e engenheiros, professores e filósofos juntaram-se a esses grupos , levando consigo a língua e a cultura gregas.
               Contudo, as populações nativas eram mantidas em regime de servidão, excetuando-se pequenas elites logo absorvidas e integradas ao modo de vida dos conquistadores. Daí se propagou a civilização helenística em direção ao Oriente, onde, porém, não conseguiu se estabelecer com a mesma intensidade, devido á resistência cultural dos persas, no centro do Império, e à grande diferença de cultura no extremo oriental. Na Índia, em regiões próximas ao Irã, os centros de dominação helenística, como Gandara e Cotan, disseminaram a cultura grega, que se fundiu ao hinduísmo e ao budismo. 
                 A atividade comercial desenvolveu-se excepcionalmente na Pérsia e regiões limítrofes ao centro do Império do Oriente, estendendo-se até a Síria. 
                   Do outro lado do Egeu, na Ásia, o império selêucida era o maior lote da herança de Alexandre, mas os soberanos da dinastia foram incapazes de manter sua unidade. A leste ocorreu, em pouco tempo, a separação da Bactriana e da Pártia. Incapazes de impedir e independência de outros estados, como o Ponto e a Capadócia, os selêucidas concentraram suas forças na Síria, disputadas ferozmente aos Ptolomeus, e na Anatólia. Após a morte de Antíoco IV  em 164 a.C., as lutas internas e os ataques dos partas levaram ao declínio desse império, que já estava extinto quando os romanos anexaram a Síria em 63 a.C.
                 O domínio dos Ptolomeus foi mais longe. Os três primeiros reis expandiram suas conquistas até a Trácia. Uma frota poderosa e um comércio florescente levaram o Egito ao auge de sua prosperidade. Entretanto, os reis subsequentes permitiram o declínio de seu poder, ao transferir às irmãs e esposas a responsabilidade do governo. A dinastia terminou com o suicídio da última das irmãs, a  Cleópatra em 31 a.C. caindo o Egito sob o domínio romano. 

               Seleuco estava no comando da Babilônia quando morreu Alexandre. A partir daí, ampliou seu poder sobre a Síria e fundou a nova capital em Antioquia, às margens do Orontes, de onde sucessivos soberanos chamados Seleuco, Antíoco e Demétrio governaram. 
                   A dinastia dos Selêucidas adotou a rígida administração persa, intervindo na criação de grandes corporações de artesãos e comerciantes. 
             Essa estrutura política e administrativa foi também adotada no Império da Macedônia e Grécia, onde o ideal de democracia de certas cidades como Atenas acabou sendo definitivamente suplantadas por governos despóticos. O sistema econômico de produção e comercialização em pequena escala ali vigente foi substituído pelo desenvolvimento de grandes corporações que seguiam moldes persas. Dessa forma, a própria Grécia se orientalizou, recebendo influência dos persas e outros povos, não só no campo da administração, mas também no da arte e da religião. Multiplicaram-se seitas e misticismo e obras de arte rebuscadas e imponentes, ao gosto dos orientais. 
                A Grécia Helenística não considerou a morte de Alexandre o "fim de uma era"; considerou o início dos tempos "modernos" e como símbolo de vigorosa juventude mais do que fator de decadência; achava-se convicta de que acabava de entrar na mais opulenta fase da sua maturidade, e que seus chefes eram tão bons como quaisquer do passado, exceto o incomparável Alexandre. Sob muitos aspectos tinha razão. A civilização grega não morrera a com a liberdade grega; pelo contrário, conquistara novas áreas e espalhara-se em três direções à medida que a formação de vastos impérios derrubava as barreiras políticas. Sempre empreendedores e alertas, os gregos emigravam às centenas de milhares para a Ásia e o Egito, o Epiro e a Macedônia; e não só a Jônia tornara a florescer, mas a raça, o idioma e a cultura helênica invadiram a Ásia Menor, a fenícia e a Palestina, abriram caminho através da Síria e da Babilônia, transpuseram o Eufrates e o Tigre e chegaram até a Bátria e a Índia. Jamais o espírito grego demonstrara mais ímpeto e coragem; jamais as letras e artes gregas conquistaram mais ampla vitória. 
                Depois de Alexandre a expansão e a complexidade do mundo grego desorienta a visão unificada ou a narrativa continua.  Não havia apenas três monarquias principais - Macedônia, Selêucida e Egito;havia ainda uma centena de cidades-Estados de todos os graus de independência; havia um labirinto de alianças e ligas; havia estados semi-gregos no Egito, na Judeia, em Pérgamo, em Bizâncio, na Bitínia, na Galácia, na Báctria; e no ocidente, a Itália e a Sicília Gregas, apertadas entre a velha Cartago e a jovem Roma. O império sem raízes de Alexandre achava-se muito frouxamente unido pelos laços de idiomas, comunicação, costumes e crenças, para que pudesse sobreviver ao conquistador. Alexandre fora sucedido não por um, mas por vários homens fortes, todos ansiosos por soberania. O tamanho e a diversidade do novo reino punham de lado qualquer ideia democrática; o governo independente, como os gregos o entendiam, constava de uma cidade-Estado, cujos cidadãos se reuniam periodicamente em recinto público; e, além disso, não tinham os filósofos da democrática Atenas denunciado a democracia como o domínio da ignorância, da inveja e do caos? Os sucessores de Alexandre - que passaram a denominar-se Diadochi - haviam sido capitães macedônios, de muito habituados a governar com a espada; a democracia, a não ser em ocasiões consultas aos seus ajudantes, jamais lhes passara pela ideia. Depois de algumas lutas armadas de pequena importância com o fim de alijar os competidores mais fracos, esses homens dividiram o império em cinco partes (ano 321 a.C.) - Antípatro tomou a Macedônia e a Grécia; Lisímaco, a Trácia; Antígono, a Ásia Menor; Seleuco, a babilônia; Ptolomeu , o Egito. Não se deram ao trabalho de reunir o sínodo dos estados gregos. Desse momento em diante, à exceção de intermitentes interlúdios na Grécia e da aristocracia republicana de Roma, a monarquia governou a Europa até a Revolução Francesa. 
                 O princípio básico da democracia é a liberdade provocadora do caos; o princípio básico da monarquia é o poder provocador da tirania, da revolução e da guerra. De Filipo a Perseu, de Queroneia a Pidna ( anos 338 a 168 a.C.), as guerras das cidades-Estados somaram-se às guerras dos reinos, porque as vantagens do governo arrastavam uma centena de generais á disputa dos tronos. Na Grécia Helenística a violência se tornou tão popular e os condottieri tão numerosos e brilhantes como na Itália da Renascença.
                Com o helenismo os gregos passaram a ser não somente membros de uma comunidade local, a polis, e sim de uma cosmópolis, isto é, um mundo completamente civilizado e cada vez mais helênico. A guerra era endêmica.Durante um século, as grandes potências pós-alexandrinas  conseguiram manter um equilíbrio muitas vezes incômodo, porém essencialmente estável. Atenas, tomada pelos macedônios durante a guerra Cremonídea (267 - 262 a.C.), continuou sendo um centro cultural de importância, porém renunciou deliberadamente a qualquer ambição política de envergadura. Os principais pontos de crescimento foram as capitais mais novas: Antioquia, Pérgamo, de alguma forma Pela e, acima de tudo Alexandria. Nesta cidade, o museu, da mesma forma que a Biblioteca de Pérgamo, constituíram um centro internacional artístico e de ensino superior. Alcançaram-se grandes progressos na medicina, astronomia, matemáticas, geografia e nas ciências. Era a época do cientista e do astrônomo Erastótenes e do famoso matemático Arquimedes. 
               Na Grécia houve uma variedade de experiências políticas; diferentes formas de confederação, em particular na Liga Aquéia; e tentativas de Agis IV e de Cleomenes II, em Esparta, de estabelecer uma forma primitiva de comunismo, antes que o regime fosse destruído pela Macedônia em Selásia (222 a.C.). A segunda guerra de Roma contra a Macedônia (200 - 197 a.C.) marcou o começo de uma nova era, já que os governantes de todo o leste do Mediterrâneo foram obrigados a ajustar suas políticas ao crescente poderio romano. A provocativa aliança de Filipe V de Macedônia com Aníbal, em 215 a.C., trouxe como consequência a intervenção militar de Roma sobre a Grécia, finalizando no ano 205 a.C. com a paz de fenícia, um tratado de coexistência mútua. Contudo, a contínua expansão de Filipe, tanto na Grécia como no Egeu e ao longo do Adriático, provocou a vingança dos romanos, que impuseram uma grave derrota na batalha de Cinocéfalos (197 a.C.). Pouco depois, no ano 190 a.C., o maior dos monarcas selêucidas, Antíoco II, foi igualmente derrotado, após ter invadido a Grécia, na batalha de Magnésia, sendo desprovido de suas possessões na Ásia Menor no tratado assinado a seguir, conhecido como a paz de Apanéia (188 a.C.). 
                     A partir de então, Roma não teve rivais de importância no Egeu nem no Oriente Próximo. Foi possível aumentar o poder dos Estados de Pérgamo e de Rodes, porém, da mesma forma, era capaz de afundá-los. Passaram-se 150 anos antes que o mundo helênico fosse submetido completamente. A renovada agressão macedônica sob o governo de Perseu, filho de Filipe V, foi definitivamente controlada em Pidna no ano 168 a.C., sendo que o país ficou dividido em quatro territórios independentes. Somente no ano de 146 a.C. , depois de outros conflitos, passou a ser província romana. Finalmente, Pompeu terminou com o Império selêucida, enfraquecido por conflitos internos e pelas guerras partas, em 64 a.C. O Senado aceitou Pérgamo, surpreendentemente legado a Roma após a morte de Atalo III em 133 a.C. Ao mesmo tempo, o Egito foi rejeitado, ao ser doado à Roma num gesto retumbante de Ptolomeu Alexandre I no ano 88 a.C. Somente após a derrota de Cleópatra VII, a última dos Ptolomeus, na batalha naval de Ácio em 31 a.C., Roma dominou formal e efetivamente toda a herança de Alexandre Magno. Muito antes disso, a estrutura política da civilização grega havia sofrido uma derrota irreparável. Porém, seu legado espiritual e intelectual sobreviveu e teve influência em todos os aspectos da vida romana.
              No Império do Egito, a dinastia dos Ptolomeus adotou o sistema político e administrativo dos faraós, e a cultura helenística afastou-se consideravelmente dos padrões gregos. Desenvolveram-se cidades como Alexandria, onde ganharam impulso o comércio, as artes e as ciências.  
                   O imperialismo romano passou a ser crucial nas questões dos reinos helenísticos, mas cresceu lentamente no período final da República. A anexação direta, exceto nas regiões fronteiriças com os bárbaros, era considerada recurso extremo. Ate o ano 150 a.C. não havia um só governador romano ou exército permanente estacionado á leste do Adriático. Mas outros tipos de intervenção eram cada vez mais opressivos. 
               O equilíbrio essencial perdurou por quase todo o século III a.C. Mas com a segunda guerra em Roma e Macedônia, mudanças cada vez mais significativas passaram a ocorrer, à medida em que os governantes do Mediterrâneo Oriental viam-se forçados a ajustar suas condições ao crescente poder de Roma. 
                   Com o domínio total de Roma, termina a civilização helenística, mas sua influência, onde se misturam elementos gregos, orientais e egípcios, persistiu por muitos séculos, até o final da era romana.
                     Por muitos séculos, somente o lento caminhar dos rebanhos rompe o silêncio da colina de Hissarlik. Do seu topo, o olhar se estende pela planície até o mar, que refulge qual um imenso campo prateado. Mas, um dia, homens armados de pás e picaretas sobem a íngreme encosta pedregosa. Ei-los, como que por encanto, arrancando, do terreno revolto, torres e muralhas em ruína, delineando-se, aos poucos, o perfil de uma cidade fortificada, sepulta há milênios. Essas pedras enegrecidas, que as mãos de Henrique Schliemann recompuseram com religiosa reverência, traziam um nome famoso, um nome que atravessou os séculos como um clarão de glória  e lendas: Troia. 
                Schliemann não era um arqueólogo, mas sim, somente um entusiasta da Grécia antiga e de Homero, e procurava, com o auxílio da Ilíada, reconstruir um mundo antigo e desaparecido. Entre o espanto dos cientistas, seu método provou  ser exato. Como em Hissarlik, assim como em Micenas, ele acertou em cheio, trazendo novamente à luz do dia os restos da antiga capital dos Acaianos. Desde esse dia (as escavações de Schliemann ocorreram em 1868), ficamos conhecendo uma grande quantidade de coisas sobre os habitantes da Grécia homérica e, o que é mais extraordinário, tivemos a confirmação da substancial "historicidade" dos poemas homéricos. 
            Os Acaianos eram um povo rude e belicoso, que invadiu a Grécia nos princípios do II milênio antes de Cristo, impondo-se facilmente aos indígenas, cultos e uma forma de civilização, mas de maneira pacífica. Provinham, como quase todos os bárbaros, do norte, do Epiro ou da Tessália, e, como todos os bárbaros, sofreram o influxo poderoso da civilização, que os haviam sujeitado pela força das armas, e adotaram-lhe o idioma e os costumes. 
             Homero nos descreve seus palácios, muito mais semelhantes, na verdade, a enormes barracões do que a mansões reais, seus hábitos simples (lembrem-se de Laerte,o velho rei de Itaca, que lavrava seus campos junto às praias), seus bárbaros banquetes. Aliás, o rochedo de Tirinto e os sepulcros de Micenas, desenterrados por Schliemann, apresentam-nos um quadro bastante precioso de sua vida. Eram essencialmente guerreiros que, na Grécia, viviam como os feudatários medievais e que realizavam, de quando em quando, grandes expedições além-mar, para saquear e arrasar as ricas cidades do Egeu. 
              A Guerra de Troia (ocorrida no século XII a.C., isto é, quando a civilização micênica estava em seu fastígio ), foi um desses episódios. A jovem civilização acaiana competia com a mais antiga potência asiática, em cuja defesa acorreram tropas de todo o Ocidente, desde a Trácia até a Capadócia. 
Relações entre o povo acaiano e o cretense existiram, sem dúvida, e de natureza bem estreita, pois, com toda probabilidade, os navios de Minos cruzavam arrogantemente as costas da Grécia, impondo aos rudes guerreiros da Ática e da Argólida sua civilização infinitamente superior. Mas o poderoso cretense desabou de improviso, por causas ignoradas, e quiçá por obra dos próprios Acaianos. E assim penetraram, dominando o Egeu, os fortes conquistadores da Hélade. 
               Cerca do ano 1.000 a.C., irromperam, sempre do norte, os guerreiros Dóricos, que suplantaram subitamente a já decadente civilização micênica, recebendo-lhe a herança e confundindo-se de tal maneira com ela que, durante muito tempo, se acreditou que Acaianos de Dóricos não passavam de dois grupos pertencentes ao mesmo tronco racial. 
                Com os Dóricos, termina a pré-história da Grécia e começa a verdadeira história. No século IX a.C., numa ilha do Egeu, talvez em Quito, um maravilhoso poeta canta os feitos de seu povo, um poeta a quem a tradição deu o nome de Homero. 
              Da divina harmonia de seus versos parece ressurgir aquela suprema criação do engenho humano, que foi o espírito da Hélade, a flama alta e altissonante, que iluminou, durante vários séculos, todo um povo e a glória das civilizações vindouras. 
                Se incluirmos na nossa herança helênica não só o que os gregos inventaram, mas o que adaptaram das culturas mais antigas e por diversas vias transmitiram á nossa, encontraremos esse patrimônio em quase todas as facetas da vida moderna. Nossa manufatura, a técnica da mineração, o essencial da engenharia, os processos de finança e comércio, a organização do trabalho, a regulamentação governamental do comércio e da indústria; tudo chegou a té nós trazido pela corrente histórica que a Grécia passou a Roma e desta a nós. Nossas democracias ou ditaduras originaram-se dos exemplos gregos; e embora a maior ampliação dos estados tenha criado um sistema representativo desconhecido na Hélade, a ideia democrática de um governo responsável perante os governados, a ideia do julgamento pelo juri e das liberdades civis de pensamento e de palavra, de reunião e de religião, foram profundamente estimulados pela história grega. Acima de tudo era nesses pontos que os gregos se distinguiam e foi isso o que lhes deu a independência de espírito e iniciativa que os levavam motejar da obediência e inércia do Oriente. 
                   Nossas escolas e universidades, nossos ginásios e estádios, nosso atletismo e nossos jogos olímpicos, nasceram na Grécia. A teoria da produção eugênica, a concepção do auto-controle, o culto da saúde e da vida ao natural, o ideal pagão do gozo livre de todos os sentidos, encontraram na Grécia suas fórmulas históricas. A teologia e a prática cristã (até as palavras são aqui gregas) filiam-se em larga escala às religiões do mistério da Grécia e do Egito, aos ritos eleusianos, órficos e osirianos; às doutrinas gregas do divino filho que morre pela humanidade e ressuscita; aos ritos gregos de procissões religiosas, cerimônias purificadoras, sacrifícios sagrados e sagradas refeições comuns; às concepções gregas do inferno, dos demônios, do purgatório, das indulgências e do céu; e também às teorias estoicas e neo-platônica do logos, da criação e da conflagração final do mundo. Até as nossas superstições devemo-las aos espectros, bruxas, pragas, maus agouros e dias aziagos dos gregos. E quem seria capaz de compreender a literatura inglesa, ou uma ode de Keats, sem possuir alguma noção de mitologia grega? 
                A nossa literatura dificilmente teria existido sem a tradição grega. Nosso alfabeto nos vem da Grécia através de Roma; nossa linguagem está inçada de palavras gregas; nossa ciência criou uma linguagem internacional formada de termos gregos; nossa gramática e retórica, até mesmo a pontuação e os parágrafos são invenções gregas. Nossos gêneros literários são gregos- o lirismo, a ode, o idílio, a novela, o ensaio, a oração, a biografia, a história e, acima de tudo, o drama; aqui também quase todas as palavras são gregas. Os termos e formas do drama moderno: tragédia, comédia e pantomima, são gregos; e embora a tragédia isabelina seja única, a comédia nos chegou quase incólume, de Meandro e Filemon, através de Platão e Tancredo, Bem Johnson e Molière. os dramas gregos por si correspondem às mais ricas porções da nossa herança. 
                  Nada nos parece mais estranho na Grécia do que a sua música; e entretanto a música moderna (até o seu retorno à África e ao Oriente) derivou dos cânticos e danças medievais e estes, em parte, se originaram na Grécia. O oratório e a opera devem algo à dança coral e ao drama gregos; e a teoria musical foi pela primeira vez explorada e exposta pelos gregos, de Pitágoras a Aristóxenes. Nossa dívida é um pouco menor na pintura; mas na arte dos afrescos pode-se traçar uma linha reta de Polignoto (pintor grego), através de Alexandria e Pompéia, Giotto e Miguel Ângelo, às interessantes pinturas murais de nossos dias. As formas e muito da técnica da moderna escultura permanecem gregas, pois em nenhuma outra arte se estampou o gênio grego com maior despotismo. Só agora começamos a nos libertar do fascínio da arquitetura grega; poucas cidades da Europa e da América não tem algum templo de comércio ou finanças cuja forma ou fachada colunar não se inspire nos santuários dos deuses gregos. Sentimos na arte grega a falta do estudo do caráter e representação da alma, e sua adoração da beleza e da saúde físicas imprimem-lhe menor maturidade do que a encontramos na estatuária egípcia ou na profunda pintura dos chineses;mas as lições de moderação, pureza e harmonia incorporadas á escultura e à arquitetura da idade clássica, constituem precioso patrimônio para a nossa raça. 
              Se a civilização grega nos parece mais "moderna" e afim da nossa do que a de qualquer outro século anterior a Voltaire, é porque o heleno amava a razão tanto quanto a forma, e ousadamente procurou explicar a natureza à luz do natural.  A libertação da ciência das garras da teologia e o independente desenvolvimento da pesquisa científica foram partes da obstinada aventura do espírito grego. Os matemáticos gregos fundaram os alicerces da trigonometria e do cálculo, principiaram e terminaram o estudo das seções cônicas e elevaram a geometria tri-dimensional a tanta perfeição, que até ao advento de descartes e Pascal essa ciência permaneceu como eles haviam deixado. Demócrito iluminou toda a área da física e da química com a sua teoria atômica. E nos simples intervalos de seus estudos abstratos, Arquimedes produziu inovações mecânicas suficientes para colocarem o seu nome entre os maiores dos anais da invenção. Aristarco antecipou a talvez tenha inspirado Copérnico; (Copérnico conhecia a hipótese heliocêntrica de Aristarco, pois a mencionou num parágrafo que desapareceu da últimas edições de seu livro.)  e Hiparco, através de Claudio Ptolomeu, concebeu um sistema de astronomia que constituiu um dos marcos da história cultural. Eratóstenes mediu a terra e traçou-lhe o mapa. Anaxágoras e Empédocles traçaram o escorço da teoria da evolução. Aristóteles e Teofrasto classificaram os reinos animal e vegetal, e chegaram quase a criar as ciências da meteorologia, da Zoologia, da embriologia e da botânica. Hipócrates libertou a medicina do misticismo e da teoria filosófica, e nobilitou-a com um código de ética; Herófilo e Erasístrato elevaram a anatomia e a fisiologia a um nível que, a não ser em Galeno, a Europa jamais tornaria a alcançar até a Renascença. Na obra desses homens respiramos a calma aragem da razão, sempre incerta e insegura, mas livre de paixão e  mito. Talvez, se possuíssemos na íntegra todas as suas obras-primas, classificássemos a ciência grega como a mais notável realização intelectual do gênero humano. 
         m Mas o amante da filosofia dificilmente cederá á ciência e à arte os costumes supremos da nossa herança grega.  A própria ciência nasceu da filosofia grega; desse destemeroso descaso à lenda, desse juvenil amor à investigação que durante séculos uniu a ciência á filosofia numa aventurosa procura. Nunca antes haviam os homens examinado a natureza de modo tão crítico, e todavia tão afetuosos: os gregos não desonraram o mundo ao concebe-lo um cosmos de ordem e, portanto, suscetível de compreensão. Inventaram a lógica impelidos pela mesma razão que os levou a produzir a estatuária perfeita: harmonia, unidade, proporção e forma originavam, a seu ver, tanto a arte da lógica como a lógica da arte. Curiosos diante de todos os fatos e de todas as teorias, os gregos não só estabeleceram a filosofia como um empreendimento próprio do espírito europeu, como ainda conceberam todos os sistemas e todas as hipóteses, pouco deixando a ser dito sobre os magnos problemas da nossa vida. Realismo e nominalismo, idealismo e materialismo, monoteísmo, panteísmo e ateísmo, feminismo e comunismo, a crítica de Kant e o pessimismo de Schopenhauer, o primitivismo de Rousseau e o amoralismo de Nietzsche, a síntese de Spencer e a psicanálise de Freud - todos os sonhos da sabedoria aparecem naquele berço. E na Grécia os homens não só debatiam a filosofia como a viviam; o tipo do sábio não o do santo ou do guerreiro, era o ideal supremo da vida grega. Através dos séculos, desde Tales, a preciosas herança chegou até nós, inspirando imperadores romanos, padres cristãos, teólogos escolásticos, heréticos do renascimento, platônicos de Cambridge, os rebeldes do Século das Luzes e os cultores da filosofia de hoje. Neste momento, por toda a terra, milhares de espíritos inquietos estão a ler Platão. 

                    

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