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quinta-feira, 16 de abril de 2020

A RECUPERAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA EUROPA.



                No final do século V d.C. as conquistas bárbaras haviam começado a estabilizar-se na forma de reinos, emergindo um novo mapa político da Europa. Ainda assim, a força da cultura romana resistiu à mudança de governantes. A ordem social romana havia sido decapitada, os recém-chegados haviam tomado as principais posições; entretanto, os germânicos sempre foram uma minoria. O poder  estava em suas mãos, mas eram os habitantes locais que asseguravam o desenvolvimento normal destes reinos.  Governantes sábios, como Teodorico, o ostrogodo, se esforçavam para reconciliar godos e romanos em uma Itália próspera e unificada., e patrocinaram os artistas e arquitetos romanos. Seu palácio e seu túmulo em Ravena (Itália) são exemplos notáveis da sobrevivência das tradições arquitetônicas romanas. Inclusive os mais anti-romanos, os vândalos, conservaram muito da cultura romana adaptando-a simplesmente para seu próprios fins; os príncipes vândalos viviam em luxuosas vilas esquipando os edifícios com banheiras e pisos de mosaicos, de forma muito similar aos anrtigos aristocratas romanos. 
                   Na Europa Continental, as cidades seguiram prosperando, porém com menos riqueza e população que antes. A urbanização era um conceito basicamente desconhecido para os novos líderes germânicos, e a administração cívica recaía principalmente nos bispos, já que, embora os súditos romanos tivesse sido despojados em grande parte do poder secular, a autoridade religiosa continuou nas mãos dos povos locais. O cristianismo seguia sendo a religião majoritária de governantes e governados, proporcionando um poderoso vínculo com o passado. E, apesar da supremacia dos soberanos de idioma germânico, foram as línguas romances, baseadas no latim, o idioma dos povos romanos, que triunfaram na maioria das ex-províncias do Império Ocidental, com exceção da Bretanha. 
               O fim do domínio romano na Europa Continental esteve marcado, como consequência, não por uma súbita crise, mas por uma mudança gradual, sendo apenas a culminância de processos internos que vinham se desenvolvendo por vários séculos. A economia seguiu um padrão similar de mudança e transformação. O Império Romano entrara em decadência econômica desde pelo menos o séculos II e as tentativas de reforma e renovação no século IV haviam tido poucos efeitos duradouros. As cidades do Império Ocidental enfraqueceram lentamente, a economia baseada no dinheiro se contraiu e o comércio e a indústria declinaram. A ruptura causada pela ascensão germânica ao poder aceleraram este processo, no entanto, não o determinaram. 
                Os trabalhos em vidro na zona do Reno continuaram florescendo durante os séculos V e VI, e seus artigos de luxo eram exportados para a Bretanha, Gália, Alemanha do Norte e Escandinávia. O comércio vinícola continuou a realizar-se pelas rotas tradicionais durante algum tempo depois do desmembramento político do império. Os mercadores gauleses ainda forneciam vinho aos mosteiros da Irlanda no século VI, e quase na mesma época os governantes em Cornwall importavam azeite de oliva da Tunísia. Contudo, ainda que os laços nunca tenham se interrompido completamente, a decadência econômica e a fragmentação política diminuíram gradualmente a frequência do intercâmbio e estimularam em cada região da Europa Ocidental o desenvolvimento interno. De todas as províncias do Império Ocidental, em nenhuma parte este processo foi mais acentuado do que na Bretanha. 
              Enquanto os ostrogodos, visigodos e vândalos estavam ocupados no sul da Europa, uma série de êxitos semelhantes desencadeara-se a noroeste. A Bretanha, a mais distante das províncias romanas, foi atacada por saqueadores marítimos no século III. A partir do século V, as guarnições romanas foram transferidas para o continente a fim de participar das guerras dinásticas, ficando a Bretanha a mercê dos povos germânicos não somente para a pilhagem como também para a colonização. na costa leste dominaram os anglos, enquanto no sul os saxões alcançavam os maiores progressos. estes dois povos, além dos jutos, que se estabeleceram principalmente em Kent, cruzaram o Mar do Norte vindos da Jutlândia e das zonas fronteiriças à Alemanha do Norte, navegando pelos rios e estuários em seus botes a remos de fundo plano. A medida que os povos germânicos empurraram os bretões livres em direção a oeste, começaram a formar-se novos reinos no leste, que se juntaria nos séculos posteriores formando uma nova Inglaterra unificada. 
                  Estes reinos anglo-saxões diferiam da Itália ostrogoda ou da Espanha visigoda por não se basearem nos princípios da administração provincial romana, tendo um desenvolvimento exclusivamente germânico. A razão é que na Bretanha os principais centros de civilização romana, as vilas e cidades, haviam desaparecido muito antes de os anglos saxões começarem a estabelecer-se. A transformação decisiva ocorreu ao redor do ano 410, quando cessou a cunhagem de moedas e com ela a economia de mercado. As tropas e a burocracia deixaram de receber seus salários de Roma e os romanos-britânicos foram abandonados à sua própria sorte. 
               Quando os anglo-saxões começaram a colonizar a Bretanha, próximo ao ano 450 d.C., a nova ordem social - rudimentar a princípio - era essencialmente germânica, baseada em torno do séquito real e dos bandos guerreiros e apoiada na lei consuetudinária.
               Além disso, mais que se deixar conquistar, como as populações da França, Espanha ou norte da África, muitos dos romanos-britânicos que sobreviveram fugiram para o oeste, deixando aos anglo-saxões, numericamente dominantes, grande parte  do loeste e do sul da Bretanha.  O anglo-saxão substituiu o latim como idioma principal. Os reis  eram enterrados à maneira de seus antepassados da Alemanha e Escandinávia, com ricas oferendas mortuárias, com armaduras, baixelas de metal precioso, com frequência provenientes de lugares remotos, e às vezes, como em Sutton Hoo, todo o enterro era colocado em um barco debaixo de um montículo funerário. É difícil imaginar um contraste maior que o enterro do barco de Sutton Hoo, essencialmente germânico, e a tumba de Teodorico em Ravena, com uma cúpula inspirada na estilo clássico. Ambos eram os lugares de repouso de governantes bárbaros que haviam estabelecido seus reinos sobre as ruínas do Império do Ocidente. 
               Outro contraste com os reinos do sul foi a introdução da religião pagã dos germânicos na Inglaterra. Foi necessário que os missionários realizassem uma campanha em duas frentes - pelo oeste isolado , mas ainda cristão da Bretanha e através do canal pelos francos  cristianizados - para trazer aos reinos anglo-saxões da Inglaterra pra dentro do redil da igreja. A missão de Agostinho a Kent em 597 d.C. foi seguida por vários êxitos espetaculares e retrocessos frustrados. No transcurso de apenas 100 anos, entretanto, os mosteiros cristãos da Inglaterra do norte estavam produzindo magníficos livros ilustrados, tais como o Evangelho de Lindisfarne, considerado uma das obras mais importantes da época. Em princípio do século VIII foram os missionários anglo-saxões como Willibrord e Bonifácio que levaram a catequese aos germânicos no continente recém-conquistado pelos francos. 
               Foi o êxito do cristianismo que finalmente proporcionou a base para a cultura comum da Europa Ocidental na Alta Idade Média, sendo o latim o idioma da classe culta e do Direito romano uma poderosa influência nas normas da Igreja me do Estado. Quando diminuiu o nível de alfabetização - já desnecessário para a administração dos reinos pós-romanos, foi a igreja que conservou viva a chama do conhecimento e manteve a scriptoria monástica, que garantiu na sobrevivência dos textos  clássicos até os tempos modernos. 
Os Francos
             Os Francos foram os ganhadores incontestáveis das invasões bárbaras. Durante o século V haviam cruzado a fronteira do Reno e se estabelecido na Bélgica e no noroeste da França. Poucos teriam adivinhado que, de todos os povos germânicos que chegaram, seriam os francos - povos de alianças primitivas e governados por régulos - o fundadores da França, o reino mais poderoso da Europa medieval. E foi na França, em lugar da Espanha ou da Itália, onde a combinação madura de cultura clássica e germânica, que caracteriza a civilização medieval européia, alcançou sua mais alta expressão, primeiro na arte romântica e depois no gótico. 
            A primeira grande era de desenvolvimento cultural e político francês ocorreu no século VIII, sob Carlos Magno. O monarca fez reviver o conceito de império na Europa Ocidental. Entretanto, não foi somente um renascimento do Império Romano pagão e sim um novo e devoto reino cristão dedicado à propagação da fé e à defesa do papado. 
               As raízes do Império Carolíngio encontram-se no reino formado por Clóvis no século V. Chegou ao poder em 486 d.C., e em um reinado de apenas trinta anos conseguiu unir os povos francos em um só reino e estender espetacularmente os limites de seu poder. A vitória crucial de Clóvis sobre os visigodos aconteceu em Vouillé, perto de 511, seu domínio se estendia até o Atlântico e somente uma estreita faixa de terra o separava do Mediterrâneo. Até meados do século VI haviam alcançado os limites naturais da França, e o reino merovíngio (como era chamado o reino de Clóvis e seus sucessores) abrangia dos Alpes aos Pirineus, do Mediterrâneo ao Canal das Mancha e do Atlântico até além Reno. 
               Em 751, numa transição pacífica, o poder merovíngio passou às mãos dos carolíngios, sob os quais o antigo reino franco atingiria seu apogeu. O máximo florescimento foi alcançado com o reinado de Carlos Magno (768 x 814) e presenciou muitos êxitos militares, políticos e econômicos. De sete pés de altura, segundo dizem, voz aguda e áspero bigode, Carlos Magno foi sem dúvida o maior governador europeu de sua época; um homem experimentado na guerra, um administrador capaz, feroz defensor da Igreja e do cristianismo e um grande mecenas da arte. O reino que fortaleceu e expandiu se converteu finalmente em império. No dia de natal do ano 800, o papa Leão III, em uma consciente alusão ao poder da antiga Roma, coroou "Carlos Augusto, grande e pacífico imperador dos romanos". 
              Em retrospectiva, os reinados de Carlos Magno e seu sucessor, Luiz, o Piedoso (814 x 840), foram reconhecidos como um período de renascimento político e cultural. Por mais de meio século o Estado franco pareceu seguro, estendendo suas fronteiras até à Itália, Espanha e Alemanha. Dentro deses limites, o conhecimento e as artes foram testemunhas de um tímido florescimento, que não era simplesmente um renascer da antiga cultura romana, mas algo novo e vital. A corte em Aquisgrã refletiu o êxito e as ambições do império de Carlos Magno. Construiu-se um imponente complexo palaciano, utilizando mármores trazidos da Itália e copiando consistentemente os modelos romanos no desenho de diversas salas. Havia uma grande aula palatina (salão de audiências) de linha romanas, e no extremo oposto do complexo existia uma capela edificada segundo o modelo de uma igreja do século VI construída por Justiniano, imperador bizantino, em Ravena. Os eruditos mais importantes  da época congregaram-se na corte de Carlos magno e, com o estímulo do exemplo e proteção reais, construíram-se grandes igrejas e mosteiros de pedra em todo o império, desde São Filiberto de Grandlieu, perto da desembocadura do Loire, até Corvey, às margens do Rio Weser, no coração da saxônia recentemente conquistada. 
             Ainda que o renascimento carolíngio revelasse, quanto à arquitetura, um retorno das antigas formas romanas, isto é, um novo interesse nas construções de pedra que havia desaparecido na Europa do Norte por vários séculos, em outros aspectos marcou um rompimento fundamental com o passado romano. Durante o período em que a Gália fazia parte do Império Romano, o latim havia se convertido na linguagem tanto dos aristocratas e da classe educada como das pessoas comuns. Assim se manteve apesar do colapso do Império Romano no Ocidente e da introdução das línguas germânicas. Entretanto, mediante um processo natural de Transformação, o latim evoluiu, distanciando-se de suas raízes clássicas, e nos tempos de Carlos Magno estava em vias de converter-se no idioma que conhecemos como francês. Porém, o latim continuou sendo o idioma da liturgia da Igreja e da classe educada (a linguagem dos registros escritos) e até fins do século VIII, a distância entre o latim e o francês antigo coloquial era tão grande que Carlos Magno teve de estimular a fundação de escolas para o clero, que já não podia compreender facilmente as bíblias que estava usando.
                A tragédia da época carolíngia foi sua curta duração. Com todos os adornos da herança imperial romana, a base era fundamentalmente germânica. A Carlos Magno somente sobreviveu um filho, Luis, o Piedoso, motivo pelo qual pode deixar-lhe o império intacto. Mas quando Luis morreu, em 840, o costume germânico de dividira herança o obrigou a repartir o reino carolíngio entre seus três filhos. O império, então dividido e debilitado, caiu presa de uma nova onda de invasões por terra e por mar. Vieram os vikings do norte, os árabes do sul e os temidos magiares ao leste. Este fatos mergulharam as terras francas numa nova era obscura que duraria mais de 100 anos. 
Europa Medieval
              O período de 100 anos transcorrido desde a desintegração do Império Carolíngio no século IX até o surgimento do novo Império Germânico em meados do século X foi um dos piores momentos para a Europa. Acossados pelos vikings no norte e no oeste, os árabes no sul e os magiares no leste , os primeiros estados simplesmente não tiveram mo controle e a coordenação necessários para afastar os invasores. Cidades e mosteiros foram saqueados; diminuiu a população e o governo central foi aniquilado.
               Um dos povos invasores do norte, o vikings, expandiu-se devido ao excesso de habitantes nas suas terras de origem, e pelo descontentamento político que nelas reinava como consequência da formação de grandes domínios territoriais. Apoiados pelos avanços técnicos, abandonaram as penosas navegações a remo, substituindo-as por quilhas reforçadas, mastros e velas. Começa assim o saque sistemático do litoral europeu e, com o tempo, o seu estabelecimento no continente. Os vikings dinamarqueses estabelecidos  na desembocadura do Sena negociaram sua permanência com os reis francos e mantiveram suas conquistas na qualidade de feudo; este é o território que mais tarde será conhecido pelo nome de Normandia
             Não obstante, graças à obra européia dos primeiros séculos, esta nova era obscura não resultou ser um afastamento prolongado da civilização, mas apenas um retrocesso temporário. As tradições do Estado e da Igreja não se perderam, foram recuperados rapidamente. Praticamente foi como se tivessem sido mitigadas pela experiência da adversidade, já no século XI, a Europa ocidental se desenvolvia rapidamente, tanto cultural como economicamente. De fato, no fim do século XIV, havia-se recuperado grande parte dos territórios perdidos quando da queda de Roma, e a Itália estava às portas daquele novo auge da criação humana conhecido como o Renascimento. 
               Contudo, apesar de que a civilização da Alta Idade Média devia muito ao mundo clássico da Grécia e de roma, não foi de nenhuma forma uma imitação. Pelo contrário, adotou novos valores, novas filosofias, novas estruturas políticas e econômicas e novas formas na arte. As grandes catedrais românticas dos séculos XI e XII seguiram em muitas formas a tradição - se bem que interrompida - da arquitetura clássica. 


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