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sábado, 17 de outubro de 2020

NAPOLEÃO BONAPARTE - A TENTATIVA DE DOMINAR O MUNDO

 

                     A glória e o poder parece ter tomado conta do cérebro deste grande militar. O homem cujo nome começava a ser conhecido, naquele outono de 1795, que assinalou o fim do período revolucionário, era um jovem magro, de pequena estatura,rosto pálido e sério; tinha apenas 26 anos de idade e já era general de artilharia, depois de uma daquelas fulmíneas carreiras que caracterizam as épocas de desordem política. Para sorte sua, ele nunca fora demasiado exposto, nos dias mais turvos da Revolução; distinguira-se durante o assédio de Toulon, mas somente em seu uniforme de artilheiro, não de homem de partido. Homem "novo"(à sua família, corsa de origem toscana, tinha sido reconhecido o título de nobreza em 1757, ficou sendo, em um momento em que o povo estava farto de desordens e matanças, uma das pessoas que, mesmo não estando ligada aos Barbões, não queimara seus cartuchos seguindo os maiores expoentes da Revolução; estava ligada, por gratidão, a alguns maiorais do novo Diretório e, por isso, podia pensar que seria um instrumento fiel e seguro nas mãos do governo. Além disso, demonstrara conhecer bem seu mister, coisa algo raríssima naquela época de improvisações e reviravoltas. Não há de que se espantar, pois, se justamente a ele, Napoleão Bonaparte, um jovem despido de recursos e compromissos, foi concedido, como, que em recompensa de sua rápida ação em defesa da Conversão, o comando do exército, na Itália. Naquele período, a França encontrava-se apertada pelo torniquete dos exércitos legitimistas que, após alguns sucessos iniciais, foram obrigados a deter-se e permanecer ao longo das fronteiras naturais, os Alpes e o Reno. Nos Alpes, um corpo de tropas francesas, mal armadas e com poucos víveres, estava sendo ameaçado pelos austro-piemonteses; as operações dirigidas por Massena, em 1794, tinham até levado as tropas republicanas a ocupar algumas fortalezas da Ligúria. 
          Em março de 1796, quando o jovem corso foi assumir o comando de seu exército, as condições dos franceses eram precárias; a posse do novo general mudou de chofre a situação, transformando uma lenta e ineficaz guerra de posições em uma rápida ofensiva. Ele lançou suas tropas contra os Piemonteses, assistidos por ium corpo austríaco, e derrotando-os em Cairo Montenotte, em Milésimo, em Dego, em Ceva e em Mondovi; em menos de um mês, o Piemonte foi obrigado a pedir armistício e retirar-se da luta.  Com uma rápida manobra, Napoleão avançou sobre o grosso das tropas austríacas; em 14 de maio, Milão foi tomada, e os imperiais foram obrigados a encerrar-se em Mântua e no Alto Ádige.
  

      O primeiro sucesso, tão rápido e inesperado, proporcionara a napoleão não só o favor, mas também o entusiasmo das populações italianas. As ideias da Revolução, da qual o tricolor da França parecia ser o lábaro, levavam a um povo, estagnado já por mais de três séculos de uma incurável inércia política, um sopro de novidade  e uma esperança de liberdade e independência. Ao jovem general, tudo parecia sair felizmente, suas manobras eram rápidas e resolutas, ao passo que as dos adversários encalhavam em mil obstáculos; um apos outro, os exércitos austríacos se dissolviam sob os golpes do pequeno exército francês. 
           Os primeiros encontros com os austro-piemonteses revelaram desde logo o gênio brilhante de Napoleão Bonaparte. A batalha de Rivoli é considerada pelos historiadores como um modelo de estratégia.
        Toda a Itália, inclusive o Estado Pontifício, estava praticamente nas mãos do jovem conquistador; pelo tratado  de Campofórmio (outro de 1797), a França apodera-se quase inteiramente da península italiana e cedia a Sereníssima república de Veneza aos Austríacos. O entusiasmo com que os franceses tinham seguido as proezas do seu general é facilmente compreensível.  Além do incalculável aumento de prestígio, Napoleão assegura ao seu país imensas riquezas, seja em dinheiro, seja em obras de arte, conquistadas por toda parte onde suas tropas passavam. 
            Se o povo leva em triunfo o jovem "deus da guerra", o Diretório temia-o; de dócil instrumento, aquele obscuro artilheiro corso revela-se, em pouco tempo, senhor de uma fibra excepcional de dominador, capaz de, um dia ou outro, querer desembaraçar-se dos companheiros e consegui-lo. Foi o receio  de sua perigosa vizinhança e ao mesmo tempo o projeto de abrir à França os caminhos, ricos de promessas e de tesouros, do Mediterrâneo oriental, quem sugeriu uma aventura além-mar. Meios adequados, digamos, pouco existiam, porque o mar estava dominado pela Inglaterra, contra a qual era principalmente dirigido o golpe. Apesar disso, a esquadra francesa, zarpando secretamente de Touton, em 17 de maio de 1798, alcançou o Egito, após haver conquistado Malta aos seus Cavaleiros; a fortuna, fiel amiga de Napoleão, conservou distante a frota de Nelson. No Egito, os regimentos franceses percorreram o vale do Nilo qual uma rápida rajada de fogo; tomada Alexandria, a cavalaria de Murad-Bei foi desbaratada na batalha das Pirâmides. Mas no dia 1º de agosto, um mês após o desembarque, poucos dias depois do encontro vitorioso, veio a ducha fria que todos poderiam esperar; Nelson surpreendera a frota francesa ema Abuquir e destruíra-a; a expedição do Egito estava desligada da madre pátria. Talvez o único resultado da expedição francesa ao Egito foi a descoberta da "pedra de Roseta", uma lápide trilíngue, da época dos Ptolomeus que, alguns anos depois, permitiu a Champolion decifrar a escrita egípcia. 

          A derrota de Abuquir, separando o exército do Egito da França, tornara problemático o êxito de Napoleão, que desejava abrir à república um amplo campo colonial e comercial no Mediterrâneo oriental. Parece que, efetivamente, depois do rude golpe vibrado por Nelson à sua frota, o general francês houvesse concebido um plano tão gigantesco quanto absurdo: abrir caminho, através da Síria e da Anatólia, até Constantinopla e, daqui, avançar ao longo da península balcânica até o vale do Danúbio. Se a ofensiva na Síria constituía realmente a atuação da primeira parte desse projeto, a realidade incumbiu-se de reduzir a mais suaves propósitos o jovem conquistador; diante de São João d'Acre, defendido por um corpo turco comandado pelo inglês Sidney Smith, o exército invasor estacou, vencido pela resistência do adversário, pelo escasso abastecimento e pela peste, que começava a grassar entre suas tropas. Nesse ínterim, chegavam da França notícias sempre maias alarmantes (os próprios ingleses se encarregavam de fazer chegar a napoleão os jornais franceses); a Itália estava perdida, o Diretório imponente, a ameaça nas fronteiras se agravava. Napoleão, ao ver o golpe perdido no Oriente, não hesitou em abandonar seus exército e embarcar para a França, onde sua chegada seria recebida como uma libertação. E assim foi, realmente. Atravessando de novo, com felicidade, o Mediterrâneo, iludindo a perseguição de Nelson (um desses lances de sorte que tanto o protegeram), o general desembarcou na França entre o entusiasmo da população e, poucos dias depois de sua chegada a Paris, depôs o Diretório, instaurando uma nova Constituição. O golpe de estado não exigiu muita concentração de forças; após a longa anarquia, o frágil governo diretorial caiu e o povo se submeteu, sem reagir, a um governo ditatorial. Apesar das aparências, a ditadura instituiu-se pois que, no triunvirato dos três cônsules, o que predominava era a vontade de Bonaparte. Na verdade, Napoleão, auto-elegendo-se, pouco depois,Primeiro Cônsul, lançou rapidamente as bases para a reorganização do Estado, escolhendo seus colaboradores com aquela acuidade que foi talvez sua mais brilhante característica, reorganizou o exército e preparou novas levas para a campanha que iria reconquistar, em breve, os territórios perdidos. Poucos meses de calmaria e, na primavera de 1800, o Primeiro Cônsul chegou à Itália à frente de seu "Exército de Reserva", pronto para vingar as derrotas sofridas pelos diretoriais. O choque decisivo, após um vasto e  Inconcludente manobrar nas colinas piemontesas, ocorreu nas margens do Bormida, perto de Morengo. Narra-se que o exército desfilou junto ao forte de Bard, que domina o Vale de Aosta, à noite, no mais completo silêncio, com as rodas dos canhões envoltas em trapos. Outra lenda, menos benévola, insinua, a invés, que Napoleão havia corrompido o comandante do forte. Contudo, Napoleão, que não o esperava, e foi colhido desprevenido pelos Austríacos do general Medas e sobrepujando, mas, para sua sorte, quando a retirada francesa estava assumindo o aspecto de uma fuga, surgiu a divisão Desaix, que inverteu as sortes da batalha. A notícia da vitória, expedida por Melas, às quatro horas da tarde, chegou a Viena quase simultaneamente com aquela da derrota. A campanha da Itália encerrou-se com a paz de Lunéville, ocorrida em 1801, por meio da qual a França ficou com a Itália toda nas mãos, dos Alpes ao Míncio; no ano seguinte(1802), a República Cisalpina foi transformada em República Italiana.
            Os cinco anos que se seguiram foram, talvez, os mais prósperos para o jovem ditador, ricos de obras verdadeiramente geniais e duradouras. A paz de Amiens, em 1802, sancionara uma trégua com a Inglaterra, que até então tinha sido a principal adversária do novo regime,mas, em 1804, as águas novamente se turvaram e Napoleão sentiu crescer contra si a hostilidade dos Europeus, fomentada pelos Ingleses e pelos emigrados franceses. Um destes, um príncipe das conspirações antibonapartistas, foi raptado por ordem de Napoleão e fuzilado em Vincennes. No mesmo período, a segurança de que gozava no interior e o poderio de seus exércitos levaram Napoleão a arriscar a cartada mais difícil de sua extraordinária carreira: fazer eleger-se soberano. A tarefa lhe foi fácil, como era de esperar-se; após um plebiscito da nação, Napoleão colocou em sua cabeça a coroa imperial, em Notre Dame, na presença do Papa Pio VII. 

             O império napoleônico  já era uma realidade; em 20 de maio de 1805, Bonaparte, no Duono de Milão, punha na cabeça, com as suas próprias mãos, a "Coroa Férrea", proclamando-se "Rei da Itália e declarando: "Deus ma deu, ai de  quem a tocar!"
             Os preparativos já se iam organizando contra ele e incitaram-no à luta; um imponente exército e uma frota com nadadores foram reunidos em Boulogne, a fim de preparar a invasão da Inglaterra, invasão que ficaria sendo seu sonho durante anos, mas que não tentaria nunca, temendo o poderio marítimo inglês. Em princípio de 1805, formou-se a coalizão entre a Inglaterra, Áustria e Rússia, e a guerra tornou-se inevitável. Sete corpos do exército francês invadiram a Alemanha, batendo, numa série de combates, os Austríacos do general Mack; em outubro, este redeu-se, sem ter podido juntar-se aos Russos. A notícia da derrota naval de Trafalgar não conteve o ímpeto dos franceses, que avançavam na Morávia e, na planície de Austerlitz, em 1805, travaram a primeira e única batalha campal da guerra, concluída com uma fulgurante vitória francesa. O mar permaneceu no domínio inglês, é verdade, mas a Europa inteira era de Napoleão. 
               Em 21 de outubro de 1805, nas águas do cabo Trafalgar, a marinha britânica esmaga a frota francesa comandada por Villeneuve e conquista, para o século XIX, o domínio dos mares. Sir Horácio Nelson, o heroico almirante inglês, cai mortalmente ferido no tombadilho da "Victory". 
             O bloqueio continental, decretado por Napoleão, tinha a finalidade de privar a Inglaterra dos mercados europeus, mas conseguiu apenas geral descontentamento. As mercadorias inglesas que conseguiam varar o bloqueio eram saqueadas pelos financistas que, depois as queimavam publicamente. 
          O conquistador que tolhe a liberdade dos demais povos, em nome do  ideal político ou social, ou, mais simplesmente, para assegurar ao seu país um bem-estar superior, é obrigado, qual um bandido, a viver perenemente de armas em punho, porque sua primeira derrota significaria o desmoronamento de todo o edifício por ele penosamente construído. De 1806 em diante, assistimos às ansiosas tentativas de Napoleão para consolidar sua posição, sem expô-la ao risco de guerras ruinosas; seu sonho, muito evidentemente expresso, é que a Europa aceite o fato consumado, que os soberanos depostos ou privados de seus territórios se conservem em paz. Isto, naturalmente, não ocorre. As vítimas não se conformam e até procuram alianças, desejando não uma estéril desforra, mas a definitiva ruína do conquistador. 
         Em julho de 1807, após a última calamitosa campanha hibernal, que vira a queda de Prússia, na batalha de Jena (outubro de 1806) e a derrota dos exércitos russos em Eilau e em Friedland, parece que a posição do novo imperio francês seja, em tudo, sólida e inatacável. Em Tilsit, no Niemen, isto é, na fronteira entre Rússia e Polônia, Napoleão e Alexandre I firmam um acordo, que é uma espécie de partilha da Europa entre as duas máximas potências. Mas, Napoleão sabe muito bem que, enquanto a Inglaterra permanecer intacta, enquanto suas frotas de combate cruzarem imperturbáveis por todos os mares, seu poderio no continente existirá apenas em aparência. Ele possui uma única arma para dobrar a economia inglesa, o "bloco continental", que deveria subtrairà Grã-Bretanha seus mercados, e procura empregar esta arma de qualquer modo; entre 1807 e 1811, sua política e suas campanhas são voltadas para assegurar-lhe a aplicação integral. Em 1807, Portugal, que se opunha ao ruidoso projeto napoleônico, acaba desaparecendo do mapa geográfico; no ano seguinte, Napoleão não hesita, a fim de fechar a brecha representada pelos portos do Estado Pontifício, em apoderar-se das terras da Igreja, inclusive de Roma. O Papa, naturalmente, se opôs à ocupação dos territórios da Igreja e, em represália, lançou sua excomunhão contra Bonaparte; este mandou prendê-lo e levá-lo para Fontainebleau. 
           A Espanha, frágil aliada da França, estava atormentada por dissídios dinásticos; convidado para árbitro entre o rei Carlos IV e o príncipe Fernando VII, que lhe disputava o trono, Napoleão, salomonicamente, faz com que ambos abdiquem e entrega a coroa a seu irmão José, no ano de 1808. O povo da Espanha revolta-se e ataca os franceses com as armas que possuem e com todo o seu furor; mas, logo, um corpo inglês, comandado pelo futuro duque de Wellington, desembarca na península, para fornecer auxílio e armas aos insurrectos. E, desde esse ano, ou seja, de 1808 até 1813, a França enterraria homens e dinheiro na Espanha, sem proveito algum, e seus exércitos acabariam desmantelados, um após outro,pelos guerrilheiros, que atacavam de noite, que atiravam de todos os lados e sumiam, que destruíam as colunas de abastecimento, atocaiando-se com os fuzis apontados, atrás de cada janela, de cada moita. Nada enfraquece o moral de um exército mais do que esta guerra contra o nada, mais do que este contínuo viver em alarma, vislumbrando um guerrilheiro em cada camponês e uma tocaia em cada mover de folhas. Os franceses defendiam-se como sucede nestes casos, com repressões ferozes e indiscriminadas e, naturalmente, isto não fazia senão aumentar o ódio contra eles. 
              Apesar de todos os esforços dos generais napoleônicos, que ali perderam quase meio milhão de homens, a guerrilha espanhola jamais foi sufocada.
               Entretanto, também a aparente tranquilidade do resto da Europa vem sendo abalada. O Papa Pio VII, que se opunha à autocracia, é subjugado e conduzido prisioneiro para a França, mas isso retira de Napoleão o apoio dos católicos. Áustria, Prússia e Inglaterra aproveitam-se da situação espanhola para praticar um novo ataque, formando a conhecida "quinta coligação". Napoleão, como é claro, percebe o perigo e ataca fulminantemente, separando os corpos do exército adversário, chegando até Viena e bombardeando-a, e acabando por infligir ao exército austríaco, comandado pelo arquiduque Carlos, a derrota final, Wagram (julho de 1809), em uma batalha tão sanguinolenta como aquela de Eilau. É o supremo esforço do conquistador; a fortuna ainda lhe permanece ao lado, mas já se percebem os primeiros afrouxamentos, o mundo está farto de sangue, a Europa mal o suporta o domínio francês, que obstacula o nascedouro nacionalismo dos estados alemães. Em 1809, Napoleão decide divorciar-se de sua tão amadíssima Josefina, que não lhe dera um herdeiro; sua preocupação é sempre a    quela de conferir uma forma estável ao seu domínio, nascido de uma revolução e de um golpe de Estado; neste caso, ele está também preocupado pela necessidade de criar uma dinastia, porque sabe que é  somente a sua figura, o seu prestígio pessoas, que consegue manter o nível imenso e artificioso império. A proposta de Metternich, que sugere a candidatura de Maria Luísa, da Áustria, o seduz; pensa que, finalmente, sua casa, aparentando-se com aquela ilustre dos Habsburgos, poderá gozar do reconhecimento e do respeito dos demais soberanos. O matrimônio é celebrado em abril de 1810 e, em março de 1811, nasce o herdeiro esperado. Um aeróstato leva aos romanos a notícia de que Deus e o Imperador Francês lhes haviam concedido um rei. Napoleão está no auge de sua glória, mas a paz que, finalmente, sorri à Europa, desaparecerá dentro de poucos meses, entre os tiros de canhão de sua última luta. 
               Chegamos ao ano de 1812; aos pés de Napoleão humilha-se um continente inteiro; os soberanos, autênticos ou por ele criados, aceita-lhe servilmente as ordens, mas, entre os povos, já serpenteiam lampejos de revolta, a Espanha resite, obstinada e heroica, os próprios franceses aspiram somente à paz.Mas, ao invés, aquela paz ilusória, que durara apenas alguns anos, está para ser novamente comprometida. A política do bloco continental estava privando alemães, italianos, poloneses, russos (russos também, porque Alexandre I empenhara-se, em Tilsit, naquela absurda guerra econômica) de toda possibilidade de comércio marítimo. Era natural que a Rússia, única grande potência, para enfrentar a França, se rebelasse em primeiro lugar contra esta servidão, e abrisse, embora oficiosamente, seus portos às mercadorias inglesas. Foi esta talvez a causa que induziu Napoleão à desastrada determinação de declarar guerra ao Tzar; ou foi, quiçá, o desejo de incontestável domínio, a sede de uma imensa aventura. Mais provavelmente, foi a inelutável lei histórica que não permite a um conquistador sentar-se sossegado sobre as presas de guerra acumuladas, porque uma pausa, uma atitude pacífica provocaria a imediata reação ofensiva das vítimas e dos inimigos ainda de pé. 
         O fato é que, em 1812, as tropas do "Grande Exército", mais de meio milhão de homens de todos os recantos da Europa, começaram a afluir, através das pontes do Niemen, extravasando em território russo. Atacado já por aquela extrema segurança que não pode faltar a um homem que realizou talvez a mais brilhante carreira de toda a história, Napoleão acredita que Alexandre trema ao rufarem os tambores e se apresse a pedir-lhe a paz; mas o Tzar evita fazê-lo, levanta o entusiasmo de seu povo, decidido a repelir o invasor, e confia o comando das tropas ao grande general Kutuzov, um velho obeso e zarolho, veterano das guerras contra os Turcos e das campanhas napoleônicas. Depois de uma folga, fatal, de quinze dias, Napoleão avança rumo ao coração da Rússia; seus regimentos conseguem apenas raramente ter contato com o exército russo, que se retira, destruindo atrás de si tudo quanto possa ser útil ao inimigo. Esmolensco, Vjazma e outras cidades ainda são devastadas pelo fogo. Napoleão percebe quer está vibrando golpes no vento e procura sempre obrigar o adversário a voltar-se e travar combate. Em Berodino, no rio Moscova, os Russos finalmente se detém. Kutuzov, contrário ao choque decisivo, a isso é obrigado pela insipiência do Tzar e pela opinião pública. E o choque se verifica, enorme, sangrento; se as primeiras batalhas de napoleão tinham sido brilhantes manobras, as últimas, de Eilau e esta de Borodino, foram imensos e confusos massacres. Ele devia suas ultimas vitórias mais ao seu prestígio e à desunião dos adversários do que a uma efetiva superioridade. A grande batalha, às portas  de Moscou, terminou sem vencedores; os exércitos pararam de atirar quando ficaram exaustos; e, depois disso, retomaram sua marcha para o oriente, para as posições de antes. 
   

          Em 15 de setembro, Napoleão  entrava na capital russa deserta. Os primeiros regimentos de cavalaria marcham pelas ruas de Moscou; janelas trancadas, ruas e praças silenciosas e quase desertas. A maior parte da população já abandonou a cidade. E, logo na mesma noite,  em vários pontos da capital,  começaram a alastrar-se os primeiros incêndios. Durante mais de um mês, os franceses permaneceram em Moscou, sempre mais esquálida, no meio das chamas que ameaçavam de todos os lados. 
          Finalmente, quando o inverno já estava às portas e Napoleão se convencera de que os Russos não tinham intenção alguma de negociar a paz, o formidável exército, em que já estavam visíveis os sinais de esfacelamento, refluiu para o ocidente, pela estrada de Kaluga. Kutuzov, com suas tropas repousadas e aumentadas, perseguiu-o. Privados de indumentária hibernal e de abastecimentos, apavorados pela infinita distância que os separava da pátria, os regimentos franceses transformaram-se em uma interminável multidão de fugitivos, atropelados pela cavalaria cossaca, pelos patriotas, pelos francos atiradores, que disparavam de todos os cantos; menos de cinquenta mil homens, esgotados pela fome e pelo gelo, alcançaram, no janeiro seguinte, a Polônia. 
            Napoleão já em dezembro abandonara suas tropas moribundas em plena nove; de trenó, chegara a Paris, para ali organizar a resistência.  Toda a Europa estava revoltada. Napoleão arma-se como pode, defende-se e ataca furiosamente, mas agora a sorte já o abandonou, e ele se bate em condições de nítida inferioridade numérica e moral. A França, exausta, não lhe pode oferecer senão 250 mil recrutas, sem prática e sem confiança; em Leipzig, após uma breve campanha, a 19 de outubro de 1813, ele está decididamente batido, pela primeira vez em quinze anos. O único a acreditar em sua sorete é ele mesmo; retira-se combatendo encarniçadamente, atira-se ora sobre um, ora sobre outro adversário, conseguindo, aqui e acolá, obter brilhantes êxitos que, no entanto, não resolvem uma parada para ele já perdida. Entre agosto e março de 1814, Prussianos, Austríacos, Russos, Suecos, reduzem a farrapos aquele que tinha sido o mais forte exército da Europa. As defecções, na própria França, são inúmeras. Os aliados, em 31 de março de 1814, entram em paris e o próprio Senado declara deposto o  poderoso Imperador. Encerrado em sua corte de Fontainebleau, Napoleão abdica em favor do filho, tentando mesmo suicidar-se, mas, afinal,resigna ao seu destino e parte para o exílio. 
               Um mito de invencibilidade tombara; Napoleão parte para ilha de Elba, para onde os aliados vencedores o remeteram. 
             Um homem, que durante muitos anos tenha sido habituado a dominar de maneira absoluta, dificilmente consegue convencer-se de que a sorte não mais se encontra a seu lado, e que ele se acha definitivamente batido. Inúmeros exemplos, antigos e recentes, provam como é árduo para um ditador renunciar ao seu posto de comando, aceitar a repentina mudança da sorte, Os "Cem Dias", a última desesperada empreitada de Napoleão contra a Europa, agora já toda hostil, constituem um dos mais aparatosos e patéticos exemplos dessa relutância, tão humana e compreensível, em admitir a própria derrota. O homem que percorrera, em vinte anos, a mais estupenda carreira de que há lembrança na História,que, vindo do nada, vira a seus pés os povos e os soberanos da Europa, que acabara por habituar-se à sua incrível e constante sorte, que se vira adulto, exalçado, venerado qual um deus, não pode acreditar, aos quarenta e seis anos, que já era um homem acabado.
          Assim, ele não aceita sua segregação em Elba, no momento do desastre, quando todos o abandonam, e talvez a perspectiva de uma existência obscura e tranquila não o assuste.  Mas, superando o primeiro momento de desânimo, o antigo desejo de poder, que o impelia, de espada em punho, pela Europa toda, e também suas não extintas energias despertam. As obras de construções e de estradas, as ordens minuciosas que ele envia  por escrito aos seus ministros - que moram no andar de baixo - não passam de brinquedo, em que ele desabafa sua paixão pelo mando, pela organização; o grande projeto começa, certamente, a preocupá-lo logo depois de poucos meses de sua chegada à ilha. Ainda hoje, na ilha de Elba, caminha-se sobre estradas abertas por ele. 
             Em um pequeno navio, alugado em Portoferraio, Napoleão deixa a ilha de Elba, na noite de 26 de fevereiro de 1815, cerca de dez meses após sua abdicação e, em outras seis embarcações, seguem-no 1.100 homens, a ele fidelíssimos. Ainda uma vez, nem ingleses, nem borbônicos conseguem interceptá-lo. Três dias depois, desembarca em Canes e macha rumo ao Norte, entre a atônita surpresa daqueles que o reconhecem. A notícia alastra-se num relâmpago, os regimentos enviados para prendê-lo são apanhados, mais uma vez, por aquele entusiasmo contagioso e indefinível que aquele homem sempre provocara entre os soldados com sua presença, e as tropas acabam aderindo a ele. Gradativamente, a expedição vai-se transformando em uma marcha triunfal. A Paris, em 20 de março, Napoleão chega literalmente transportado por uma onda de multidão aclamante, em uma apoteose espontânea e popular, como ele próprio jamais havia conhecido. Suas previsões revelam-se exatas, a França amava mais sua tempestuosa ditadura do que o calmo governo dos Borbões. A notícia imprevista expulsara de seus palácios o rei e os nobres legitimistas, que haviam regressado depois da abdicação, e os enxotara para além dos confins belgas; explode como uma bomba, em Viena, onde os vencedores se haviam reunido, assaz agradavelmente, em congresso. A volta de Napoleão a Paris, depois de menos de um ano de exílio, transformou-se, aos poucos, em uma apoteose; o entusiasmo do povo se tornou tão violento a ponto de por em perigo a própria incolumidade do imperador. 
          Talvez Napoleão se houvesse iludido em que a Europa aceitasse o fato consumado, ratificando sua retomada do francês; ou, talvez, esperara poder manter-se à testa da nação, batendo os exércitos adversários com um de seus costumeiros milagres bélicos. Mas os aliados recorreram às armas, como era lógico, e, dois meses depois, uma avalancha de homens e canhões avançava contra os recrutas amontoados por Napoleão. 
           A campanha dos "cem dias" terminou, como erá lógico prever-se, em um desastre para os Franceses; a sorte dera as costas ao seu favorito, o astro de Napoleão tombara no acaso, definitivamente. Em Waterloo, na tarde tempestuosa de sua derrota, Bonaparte, em vão, procurou a morte no campo de batalha; as balas pareciam evitá-lo e ele terminou, cansado e acabrunhado, por entregar-se aos ingleses. 
          Os biógrafos do grande Corso, quase todos bonapartistas ferrenhos, costumam atribuir as suas vitórias exclusivamente ao seu gênio, e suas derrotas à infelicidade ou à imperícia de seus colaboradores; na realidade, uma batalha, especialmente naquela época, era feita de um rosário de fatos fortuitos, sobre os quais bem b pouco podiam influir as decisões dos generais, e que, geralmente, pensavam, irrevogavelmente, nas sortes do combate. Um grupo de soldados que erram o caminho, um mensageiro que é morto por uma bala extraviada, um temporal que faz atolar os canhões, um regimento que é invadido pelo pânico, todas estas coisas, outrora, aconteciam aos adversários de napoleão e nunca a este, ao passo que agora, a sorte encaminhara-se contra suas tropas e favorecera seus inimigos. Em 18 de junho, após o remate de uma breve campanha, o exército napoleônico enfrenta, perto de Waterloo, na Flandres, os ingleses, comandados pelo duque de Wellington, e os Prussianos de Blucher. Ao entardecer, após dez horas de luta, os franceses estão derrotados,e o episódio determinante da batalha é fornecido justamente por um daqueles acasos a que aludimos; o general Grouchy, atirado contra os reforços trazidos por Bluncher, quando os franceses pareciam quase vitoriosos, errara o caminho, e, assim, trinta mil Prussianos, bem descansados, caem em cimados exaustos franceses. 
            Repetem-se os dramas de um ano antes; Napoleão abdica, pede ao novo governo poder continuar combatendo, pensa em fugir para a América, mas, finalmente, entrega-se aos ingleses, os quais, para prevenir novos riscos, remetem-nos, a toda pressa, para Santa Helena, uma ilhota perdida no Atlântico. 
            Agora, ele também, o mais tenaz fautor de si próprio,achava-se convicto de que seu destino estava cumprido. Os últimos anos de sua vida transcorreram silenciosos, animados apenas pelas exacerbadas desavenças entre o prisioneiro e seu carcereiro, sir Hudson Lowe. O homem, que durante vinte anos convulsionara o mundo, agoniza, assistido por poucos amigos, aqueles que quiseram segui-lo no exílio. Napoleão Bonaparte morreu, ao que parece, de uma úlcera gástrica perfurante, em 5 de maio de 1821. 


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