A História ensina-nos que os estados colonialistas, isto é aqueles países que ocupam territórios situados, geralmente, em regiões distantes e habitados por populações atrasadas, a fim de explorá-los economicamente, vêem-se,mais cedo ou mais tarde, expostos ao risco de uma rebelião das próprias colônias contra a mãe-pátria. Ou são os próprios colonos que, depois de algumas gerações, não se sentem mais considerados cidadãos do longínquo além-mar de onde seus pais emigraram e vêem-se, no governo metropolitano, apenas um inimigo capaz de sugar tributos; ou então, são os indígenas, cujo contato com os civilizados colonizadores lhes conferiu uma cultura e maturidade política, que se revoltam contra os estrangeiros, esquecendo os benefícios recebidos, para se recordarem unicamente dos vexames sofridos. De qualquer maneira, é quase fatal que os territórios coloniais acabem por se separar mais ou menos violentamente do poder central, declarando-se independentes; e é uma independência sombria e orgulhosa, que não aceita compromissos. O primeiro clamoroso episódio, na história moderna, verificou-se na revolução das colônias inglesas da América Setentrional; a Ele seguem-se, a poucos decênios de distância, a revolta dos povos da América Latina, do México à Terra do Fogo.
E era uma revolta bem motivada por razões raciais, econômicas e políticas. Os soldados de Jorge Washington, de fato, pertenciam à mesma raça de seus inimigos,ao passo que os colonos do México ou do Peru eram, em grande parte, mestiços; portanto, seus laços de sangue com a Espanha já estavam bem afrouxados; além disso, a política inglesa para com as colônias, apesar de seus erros, podia-se considerar quase paternal, em confronto com a cega e brutal insipiência dos governadores espanhóis (insipiência e cegueira de que a Itália já recebera provas, tanto em Milão como em Nápoles). Embora a Espanha procurasse manter na mais absoluta ignorância seus súditos de além-mar, assim mesmo o exemplo da revolta norte-americana levantou clamor e ideias de independência tinham começado a serpentear nos ambientes mais bem informados do México, do Peru e da Colômbia; quando, então, a própria Espanha se encontrou às voltas com a prepotência napoleônica, na guerra dinástica, essas ideias tomaram corpo e encontraram francos apoiadores. Da Espanha, perturbada com as guerrilhas, não podiam mais chegar ordens nem reforços às guarnições americanas. Assim, quase contemporaneamente, comitês revolucionários surgiram em Caracas, em Buenos Aires, no México e no Paraguai; os chefes pertenciam à aristocracia intelectual ou rural, como Bolívar, na Venezuela, ou o clero, como os dois párocos, Hidalgo e Morelos, que chefiaram a insurreição do México. Os primeiros motins e as primeiras declarações de independência ocorreram entre 1808 e 1810. Cinco ou seis anos depois, a reação espanhola parecia levar a melhor por toda parte, os cabeças do levante tinham sido obrigados a fugir ou foram mortos e a situação voltava à normalidade. Contribuíram para este primeiro sucesso, a escassa organização dos revolucionários e a confusão reinante, até teoricamente, em seu campo; mas a revolução já recebera promessas ou tangíveis auxílios de outras potências, especialmente da Inglaterra, que enviara uma frota ao estuário do Rio da Prata, e dos Estados Unidos. Tanto uma como outra potência, em honra da verdade, não estavam motivadas por nobres motivos de liberdade e fraternidade para com os povos oprimidos, mas enxergavam, nos futuros países americanos, não mais sujeitos aos zelosos e absurdo monopólios espanhóis, um campo imenso para seus comércios.
Governar à distância dá muita dor de cabeça. Especialmente quando a colônia fica em outro continente e a comunicação mais rápida com a metrópole é a caravela. Pensando nisso é que a Coroa Espanhola decidiu dividir suas possessões na América em vice-reinos, entregando a administração a nobres da Espanha, gente de confiança do rei.
Na América do Sul do século XVIII havia três desses vice-reinados: Nova Granada, Peru e Prata. Subordinadas respectivamente a Novo Granada e Peru, havia duas subdivisões territoriais: as capitanias gerias da Venezuela e do Chile. Era assim que o rei da Espanha controlava suas terras sul-americanas. Seu poder era exercido não só por intermédio dos vice-reis e dos funcionários administrativos. Também os membros da Igreja eram agentes da autoridade Real, ajudando a manter a população submissa à Coroa e convertendo os índios ao cristianismo.
Nesse tempo já se sabia que as terras americanas eram ricas em minérios e a Coroa Espanhola procurava tirar daí o maior proveito. Reservava para si o monopólio da extração de ouro e prata e concedia a particulares o direito de explorar os outros minerais. Mas para dar essas concessões cobrava pesado tributo: um quinto da produção pertencia à Coroa.
Os verdadeiros donos da economia local eram realmente os filhos de europeus, chamados de crioulos por terem nascidos na colônia. Eram donos de grandes fazendas - as estâncias - e tinham a seu serviço grande número de indígenas e negros africanos. Os crioulos, apesar de constituírem a elite intelectual,não tinham acesso aos cargos administrativos. Para esses postos havia espanhóis vindos diretamente da metrópole.
Assim, a aristocracia crioula era obrigada a submeter-se às ordens dos administradores, que eram fiéis aos interesses da Coroa. Acontece que, com o tempo, esses interesses foram ficando cada vez mais contrários aos dos crioulos, que se iam sentindo economicamente esmagados pela metrópole. Por isso, eles seriam os grandes responsáveis pela eclosão dos movimentos de independência na América do Sul espanhola, onde usariam como massa de manobra a grande legião de índios, negros e mestiços.
O século XVIII já assiste a diversas revoltas contra a Espanha, todas dominadas. Mas o espírito de rebeldia se intensifica.Por toda parte há insatisfação contra a metrópole. Nas minas e nas fazendas, a palavra de ordem é "independência". E os numerosos contatos comerciais, que apesar da proibição eram mantidos, permitiam que as ideias de libertação tomassem corpo entre a elite intelectual. Através desses contatos, chegavam as notícias da Revolução Francesa de libertação, como também da independência dos Estados Unidos da América do Norte. Era um incentivo maior para o levante na colônia espanhola.
Em 1796, forma-se uma aliança entre a França e a Espanha, que terá importantes reflexos na América do Sul. A Inglaterra, em guerra com a França, está agora também em guerra com a Espanha. Sua poderosa esquadra domina o mar e apropria-se do comércio, rompendo as comunicações marítimas entre a Espanha e as colônias.
E é assim que os ingleses apoiam os insurretos americanos. Em 2806, colaboram em duas tentativas de levante na Venezuela. Os movimentos não tem êxito, mas revelam um líder nacional: Francisco Miranda. Ao mesmo tempo, os ingleses estão também no Sul, provocando a revolta contra os espanhóis em Buenos Aires. Ainda aqui vão mal e são rechaçados pela própria população.
Enquanto isso, as coisas estão mudando na Europa. Em 1808, os franceses invadem a Espanha, o rei Carlos IV e seu filho Fernando VII abdicam e cedem o poder a napoleão, que coloca no trono seu irmão José. O povo espanhol não ceita o jugo e uma junta insurrecional constitui-se em Sevilha, e representará por seis anos a Espanha livre.
Napoleão quer conquistar popularidade na América, mas os emissários que envia para obter aliança com os espanhóis de além-mar não conseguem êxito. Uma após outra as possessões espanholas americanas vão-se colocando ao lado da junta de Sevilha. Inteligentemente, os crioulos associam-se aos espanhóis da colônia, dando força ao movimento antifrancês; e aproveitam para dar ao levante um caráter separatista.
Impotente para dominar a América espanhola, Napoleão muda de tática. Passa a incentivar a independência da colônia, para criar problemas à Espanha. Para isso recorre a agentes instigadores. Um destes, Desmolard, ficou conhecido por ter provocado um movimento que irrompeu em abril de 1810, em Caracas. E em março do ano seguinte, um Congresso reúne os cabildos venezuelanos e depõe o Governo. É proclamada a independência. Em dezembro, Quito segue o exemplo de Caracas.
Buenos Aires, que em 1809 aceitara o vice-rei designado pela junta de Sevilha, derruba-o no ano seguinte e elege uma junta que agrupa os principais elementos crioulos.
Eles agora estão mal e tentarão recuperar o terreno perdido. Na Europa estão melhor, pois a Junta de Sevilha começa a expulsar os franceses da Espanha, com a ajuda da Inglaterra.
Se a Espanha vai-se fortalecendo, no mesmo ritmo as colônias que proclamaram sua independência vão-se debilitando. Falta ajuda externa, o isolamento geográfico impede a coesão e, o que é pior, os revolucionários já manifestam entre si sérias divergências.
Assim, pouco depois da independência, a Venezuela é sacudida por uma guerra civil. Miranda, que fora nomeado ditador do país, é deposto e substituído por Monteverde, comandante do exército real. O movimento de libertação está abalado, mas continuará, liderado agora por um extraordinário líder. Nasceu em Caracas e seu nome é Simon Bolívar (1783 - 1830).
De volta de Inglaterra, aonde fora pedir apoio, Bolívar organiza um pequeno exército e consegue libertar a cidade de Cartagena (em Nova Granada), em fevereiro de 1813. Mas não para: já em maio parte para a conquista da Venezuela. Entra em Caracas em agosto e derrota Monteverde. Em janeiro de 1814, ganha o título de "Libertador", outorgado pela municipalidade de Caracas.
Mas a segunda república venezuelana terá a mesma sorte que a primeira. As tropas reais reconquistam terreno, Bolívar não consegue manter-se em 1815 embarca para a Jamaica.
O ano de 1815 é mau para os rebeldes. A monarquia foi restaurada na Espanha, e a metrópole agora quer conter os insurretos da colônia. E manda considerável reforço para as tropas reais; 56 naus trazem mais 10 mil homens, comandados pelo General Morillo. Com isso, a Espanha triunfa em Nova Granada, bate a junta que se formara em Santiago do Chile, reconquista a Venezuela. No sul, a sorete dos rebeldes é pouca coisa melhor. Apesar do assédio espanhol a Buenos Aires, eles conseguem manter-se, mas não tem condições de alargar suas bases. Uruguai, Paraguai e a região de Charcas, na Bolívia, estão em mãos dos realistas. O ano de 1815 termina com a Espanha praticamente dona da situação. Vencedores, os realistas impõem um regime de terror. Os principais rebeldes são executados sumariamente em massa.
Mas não demora para o panorama mudar outra vez. Bolívar está na Jamaica, mas não descansa. Com ajuda britânica, ele compõe um pequeno exército e desembarca na costa venezuelana em janeiro de 1817. Auxiliado por camponeses e engrossando a tropa com mercenários ingleses e irlandeses ele segue de vitória em vitória. Depois de dominar a maior parte do vale do rio Orinoco, Bolívar lança-se com 2.500 homens a uma audaciosa empresa: atravessa os Andes, penetra na Colômbia pela vale do madalena e esmaga o inimigo. Em agosto, domina Bogotá, com o que possibilita a formação dos Estados Unidos da Colômbia, recebendo os poderes de presidente e ditador militar.
Bolívar anima-se, o inimigo enfraquece-se. O Libertador arremete agora sobre a Venezuela, conquista Caracas e a 30 de agosto de 1821 nasce a terceira república nesse país. Bolívar é o presidente.
A reação espanhola, ante os movimentos de independência que se manifestaram cerca de 1820, em todos os domínios americanos, foi áspera e despida de Discernimento. Os espanhóis fuzilaram sem misericórdia os rebeldes, mas com isso conseguiram apenas acelerar o processo separatista. E, a 24 de maio de 1822, Antônio José Sucre, seu lugar-tenente, conquista Quito que, juntamente com a Colômbia e a Venezuela, formará a Grande Colômbia, sob a presidência do Libertador.
Agostinho Iturbide, comandante das guarnições espanholas do México, passou para o lado dos insurretos, provavelmente apenas porque vira na rebelião uma oportunidade para uma rápida e extraordinária carreira. De fato, ele se fez eleger imperador, mas descontentou logo seus turbulentos partidários e, poucos anos depois, acabou diante do pelotão de fuzilamento.
Simão Bolívar comandou uma expedição bélica, nas florestas da Venezuela. Ele foi a figura de maior relevo da insurreição da América Espanhola; aos dotes militares, aliava, realmente, lealdade e fina acuidade política.
A revolta, aparentemente estava debelada, mas reacendeu-se por toda a parte, com maior furos, cerca de 1820. No México, onde, como vimos, o próprio chefe das tropas espanholas, o General Agostinho Iturbide, assumiu as rédeas da insurreição e chegou a proclamar-se imperador em 1822; um império, todavia, que teve alternadas vicissitudes e que durou menos de um ano e terminou co mo fuzilamento do soberano, por obra dos seus próprios sequazes e com a sucessiva proclamação da república federal mexicana. Contemporaneamente, insurgiram-se os países da América Central, que proclamavam sua independência da Espanha e a constituição de uma Federação, destinada, no entanto,a dissolver-se, bem cedo, por causa de rivalidades internas. Na Colômbia, a luta era retomada com a volta de Simão Bolívar, a figura de maior relevo em toda a história da América Espanhola. Homem culto, tão liberal e "moderno" que emancipou todos os escravos de sua fazenda, Bolívar deu provas de excepcional capacidade militar, conseguindo bater os espanhóis em numerosos encontros e batalhas campais, tanto que mereceu a alcunha de "Libertador da América Espanhola". Sua sagacidade política e seu enorme prestígio lhe permitiram, terminada a campanha, reunir em um só estado as turbulentas populações da Colômbia (destinadas, após sua morte, a cindirem em três países: Venezuela, Colômbia e Equador) e estender seu protetorado ao Peru. Contemporaneamente, o Chile e Argentina tinham, também, assumido sua definitiva soberania, sem o auxílio inglês. Em pouco menos de dez anos, a Espanha perdera irremediavelmente seu império e encontrava-se relegada a um plano secundário.
Notável foi o auxílio prestado pelos Norte-Americanos e pelos Ingleses ao movimento libertador dos povos da América Espanhola. A vitoriosa insurreição da Argentina, do Uruguai e do Chile foi validamente apoiada por frotas de guerra inglesas.
No Sul, as coisas melhoraram para os rebeldes em 1816, quando no Prata, monarquistas e republicanos, depois de uma briga, acabaram unindo-se, contra os espanhóis. A 9 de julho daquele ano, um congresso proclamava a Declaração de Independência das províncias Unidas da America do Sul. Mas nem o Paraguai nem a Banda Oriental (Uruguai) estariam presentes no congresso. E a região de Charcas continuava dominada pelos espanhóis. Os rebeldes do Sul precisam de um líder, e ele surge: é o oficial argentino José de San Martin (1778 - 1850).
San Martin, em 1815, sai da cidade de Mendoza comandando poderoso exército e, a exemplo de Bolívar, lança-se através dos Andes, numa ação que, como a do Libertador, ficará famosa pela audácia. Ultrapassando um desfiladeiro a 4.200 m de altitude, suas tropas entram no território chileno e unem-se às do líder local Bernardo O'Higgins (1778 - 1842). Vencem os realistas em Chacabuco e O'Higgins é nomeado ditador supremo do Chile.
Mas a luta não termina aí. Passam-se dois anos de combates, antes da vitória de Maipú, que é decisiva. Em 1818, o Chile é declarado Estado Livre e soberano.
Contudo, falta ainda conquistar o Peru. Aí, os espanhóis, entrincheirados a 3 e 4 mil metros de altitude, constituem séria ameaça à precária dos ex-vice-reinados de Nova Granada e do Prata.
Com auxílio da esquadra inglesa de Lorde Cochrane, San Martin desembarca suas tropas nas costas peruanas no início de 1821. Os espanhóis são batidos em Lima e a independência é proclamada, mas será duro mantê-la. Nas montanhas, a resistência espanhola vai-se reorganizando. Enquanto isso acontece, Bolívar progride em direção ao Sul.
Em junho de 1822, os dois grandes chefes - Bolívar e San Marttin - encontram-se finalmente em Guaiaquil. Lutam pela mesma causa, mas não conseguem um entendimento. San Martin retira-se da luta e vai terminar sua vida na Europa, onde morrera em 1850. A Bolívar competirá a tarefa de continuar a luta pela independência.
Os espanhóis reorganizam-ser como podem, nas montanhas, e conseguem retomar a capital peruana, assim como outro importante baluarte, o porto que está ligado à cidade (Callao).
Mas essa alternativa de vitória é, na verdade, o último alento das forças realistas. Tanto assim que já em 9 de dezembro de 1824, Sucre, bravo lugar-tenente de Simão Bolívar, esmaga definitivamente a resistência espanhola em Lima. E a 18 de janeiro de 1826, a guarnição de Callao, que já resistia havia dois anos, decide render-se.
Depois de um século de lutas, a América do Sul colonizada pela Espanha estava livre.
A libertação das colônias espanholas e da portuguesa (Brasil) foi toda realizada durante a primeira metade do século XIX. Ao fim das lutas que trouxeram a independência às possessões da Espanha, o mapa da América do Sul apresenta-se bem mais subdividido, já com um aspecto semelhante ao que tem hoje.
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