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quinta-feira, 16 de julho de 2020

ETRÚRIA - HISTÓRIA DOS ETRUSCOS

                   O nome Etrúria evoca silenciosas paisagens, com ciprestes perfilados, arcos antigos, abertos sob o límpido céu da Toscana, rosto cor ocre, de homens rígidos envoltos em sua toga pretexta, que olham para nós, do alto dos afrescos sepulcrais, mistério de lápides de grafite ou indecifráveis caracteres.  
                Todo o mundo Etrusco parece caracterizado por estes contrastes de luz e sombra; os Etruscos viveram, durante milhares de anos, no solo italiano, embora ninguém saiba de onde vieram; existem sobre eles milhares de documentos claríssimos, pelo menos na aparência, entretanto, ninguém lhes conhece o idioma, que continua sendo um enigma. Há mais de uma centena de anos, as escavações arqueológicas os museus com preciosos elementos, mas sobre a vida desse povo, de seus remotos ancestrais, pouco sabem os italianos, isto é, sabem apenas tudo aquilo que pode ser classificado e reconstituído, pelos objetos de uso, por uma série de afrescos e baixos-relevos; um panorama de figuras e de edifícios, ao qual falta, para torná-lo vivo e atual, a voz do historiador ou do poeta. Algo da língua etrusca ainda se sabe: os caracteres inteligíveis, algumas centenas de palavras  transmitidas pelos autores latinos ou decifradas por analogia com os antigos dialetos itálicos, são conhecidos, mas ninguém ainda está em condições de ler um documento etrusco com a mesma facilidade com que se decifra um papiro egípcio. De resto, já à época da última república romana, quase ninguém estava em condições de compreender o significado das fórmulas rituais etruscas, que os sacerdotes pronunciavam. 

                  As hipóteses quanto às origens desse povo, que aparentemente são encontradas na Itália já adulta e civilizada, são diversas e contraditórias. Heródoto, que viveu no século V a.C., já devia recorrer a funambulismos de erudito para justificar sua teoria, segundo a qual os Tirrenos (assim os Gregos chamavam os Etruscos), provinham da Ásia Menor ou mais exatamente, da Lídia; dessa mesma opinião, partilhava Helânico, que deles falava como sucessores do mítico povo Pelágico; quatro séculos mais tarde, Dionísio da cidade de Halicarnasso assegurava que os etruscos eram um povo autóctone da península italiana. Podemos acrescentar que uma passagem de Lívio poderia fazer pensar numa origem norte-oriental do povo etrusco, testemunhada, ao tempo do historiador latino, por uma sobrevivência da língua etrusca nos Alpes Réticos. Hoje, as opiniões não estão muito mais esclarecidas. O certo é que, durante os séculos IX e VII a.C., encontravam-se os Etruscos em pleno poder, em toda a Itália central, da Romanha ao Lázio, o que nos faz pensar numa civilização ainda mais antiga, caso não queiramos admitir a evolução etrusca daquela terra maricola e vilanoviana. Doze cidades, no período de máximo esplendor, pontificavam na federação etrusca: Vulci, Vetulonia, Tarquínia Cerveteri, Arezzo, Chiusi, Volterra, Cortona, Perúsia, Volsini, Veio e Populônia. Como vemos, tofdas estas cidades existem ainda hoje, orgulhosas de suas muralhas trimilenárias. Etruscas eram, também, as cidades transapeninas, Bolonha, Marzabotto, Ravena Cesena, Ádria, Spina, Mãntua; o domínio etrusco abarcava, no sexto século, quase toda a Itália setentrional, todo o centro da península, avançando até à Campânia, isto é, ate os limites da influência grega. Tratava-se, porém, de um domínio mais cultural e comercial do que militar, pois os Etruscos, pelo menos na época histórica, parece que não eram grandes soldados. Tanto isto é verdade que sucumbiram facilmente, no norte, ante as invasões dos Galos, que acabaram por arrebatar-lhes todas as suas posses além dos Apeninos, e , no  sul, ante aqueles belicosos camponeses do Lásio, que de Roma Partiram para a conquista do resto da Itália. Mas seus comerciantes mantinham relações com os povos transalpinos, provavelmente com todos os portos do Mediterrâneo e até com a própria Inglaterra meridional; sua frota dominava, incontestada, o alto e o baixo Tirreeno, o mar que conservou seu nome. 
                Roma, como afirmam a tradição e uma quantidade de testemunhos evidentíssimos, foi, durante certo tempo, uma cidade etrusca; etruscos foram os três últimos reis,Tarquínio Prisco, Sérvio Túlio (a quem os etruscos chamavam de Mastarna); um afresco, em Vulci, mostra o herói Caile Vipinas, provavelmente o romano Célio Vipena, no ato de liberar Mastarna das cordas que o prendiam) e Tarquínio, "o Soberbo", sob cujo dom´nios os Romanos assumiram costumes e leis etruscas, transformando-se de uma insignificante aldeia numa poderosa cidade fortificada . 

                Através dos afrescos encontrados, podemos reconstituir a alegre e rica vida desses toscanos de há vinte e cinco séculos, seus banquetes animados pelo som dos instrumentos a plectro e das tíbias, suas festas e suas suntuosas cerimônias; para sorte nossa, seu culto pelos mortos era tão pronunciado e importante que os Etruscos faziam de seus sepulcros, tal como os Egípcios, uma especie de documentário de todo seu mundo.  Não há nada, nessa sua piedade para com os mortos, da nossa austeridade cristã; esculpido no tufo amarelado ou na azulada pedra arenácea, o morto patrício jaz estendido no leito do triclínio, brindado aos deuses com a última taça de vinho, com a cabeça e o peito ornamentados de coroas de flores; a gordura do corpo, o rosto maciço e carnudo, revelam-nos o homem vivido na fartura de uma vida despreocupada, sem pensamentos voltados para o além. 

                  Em seu redor, vasos de cerâmica, com esplêndidos desenhos, taças de ouro e prata, estatuetas votivas, ânfora e jarras de barro vermelho, modeladas com uma liberdade que em vão se procura nos melhores exemplares gregos. Já se procurou ver, em toda a produção artística etrusca, um simples reflexo da grande arte helênica; na realidade, a diferença entre a singela pureza de linhas que os Gregos sabiam imprimir mesmo nos mais humildes objetos e o estilo pomposo, humaníssimo e marcadamente italiano dos produtos etruscos, salta aos olhos  de qualquer pessoa. Em toda a vida etrusca se reflete essa tendência a reduzir aqueles elementos que os Gregos e os Orientais haviam espiritualizados ou divinizado, em t~ermos humanos, tangíveis; assim como suas vestes são mais ricas em cores e linha mais requintada, suas jóias são maciças, repletas de pesados relevos. Não sabemos, certamente, muito de sua vida intelectual, mas é bem provável que o engenho etrusco se voltasse mais para a aquisição de bens tangíveis do que a especulações filosóficas. 
              Sua própria religião, toda feita de práticas mágicas, de sombrias lendas e de misteriosos rituais, não trazia consigo nenhum vestígio de real espiritualidade; era eminentemente politeísta; tinham um verdadeiro panteão de deuses com forte influência da mitologia grega. As três divindades etruscas mais importantes era Uni, Tinia e Menrva.
              Denominados "Tirrenos!" pelos Gregos e "Túcios"pelos Romanos, os Etruscos habitavam, portanto, a parte da Itália Central compreendida entre as costas do Tirreno e os vales do Tibre e do Arno. Daqui, estenderam sua influência e seu domínio até às costas da Ligúria, á planície Padana, à Umbria, ao Lácio, à Córsega e atér a Campânia. A evolução social e civil, a proeminência política, econômica e cultural deste povo tiveram uma notável influ~encia sobre a Península do VII ao VII séculos a.C. No Lácio, o domínio dos Etruscos cessou ao fim do século VI, em seguida à derrota sofrida em Arícia por parte dos romanos. 
                  O Etruscos falavam um idioma diferente dos dialetos italianos; sua estirpe remonta à era das populações mediterrâneas pré-históricas, e desde os tempos mais remotos tiveram notável desenvolvimento, tanto espiritual como religioso.
               Contraposta à serena religião grega, a religião etrusca revela um caráter muito primitivo, por vezes hórrido, como se pode verificar em algumas pinturas sepulcrais. 
          O gosto pela magia e a preocupação com a vida futura já seriam mais do que suficientes para dar à religião etrusca o caráter sombrio que deixou sua marca em todos os rituais e monumentos da Etrúria.
              Todavia, até hoje não tem sido possível resumir, com sistemática precisão, todos os aspectos da religião etrusca e isso pela incerteza  das origens e pela dificuldade de se distinguirem as fontes literárias e arqueológicas genuinamente etrusca daquelas que, ao invés, são consideradas como contribuição de origem estrangeira. Além disso, a incerteza no decifrar algumas particularidades da língua é outro obstáculo de não ligeira importância acerca dos estudos de etruscologia. A enigmática religião dos Toscanos suscita tantas apaixonadas controvérsias, tantas hipóteses como as origens desso povo secreto. Tudo o que sabemos deles foi derivado das pesquisas arqueológicas e dos escritos dos autores clássicos. 
                   Segundo a mitologia etrusca, os deuses tinham uma hierarquia especial, ao cume da qual havia a trindade Tinia - Uni - Menrva. Algumas divindades, mesmo tendo um nome indígena, correspondem àqueles do panteão romano: Tínia (jeová), Uni (Juno), Menrva (Minerva), etc. Em outras, porém, sua correspondência falta de todos. Assim encontramos Usil (o deus Sol), Cilens e Tecum. 
                  Entre outras divindades em relação com o além-túmulo etrusco, encontram-se "Charun" e "Tuchulcha"Charun é afim do Caronte grego, mas entre os Etruscos, cabe-lhe a tarefa confiada às parcas na mitologia grega, pois é, de fato, o senhor da vida dos homens. Quando acha conveniente,pode por fim à existência de qualquer um, com um simples golpe do seu malho. Com ele etá Tuchulcha, dotado de duas grandes asas, com a cabeça e os braços cingidos de serpentes. Ao lado da ideia da morte, pelo seu caráter guerreiro, se encontram mais dois deuses : Leta e lar. Entre as divindades femininas infernais  temos Vanth, divindade benéfica, que recebe as almas; Celsu, Parca, dotada de um par de tesouras. Um lugar especial entre os deuses etruscos cabe a "Voltumna", que, segundo o escritor Verrão, corresponde a Vertumnus, máxima e antiga divindade etrusca, venerada em um santuário da Etrúria meridional, indicada sob o nome de Veltume. 
                Mais tarde, foram recebidas algumas divindades  do Olimpo grego: (Aplu (Apolo), Artume (Ártemis) Hercle ( Hércules) etc. 
              Os etruscos preocupavam-se, de maneira especial, em estudar os sinais exteriores da vontade dos deuses. A interpretação de tal vontade impeliu-os à prática de atos divinatórios, segundo sistema de origem antiquíssimo e consiste em interpretar os fenômenos naturais (terremotos e cometas), o voo dos pássaros, os nascimentos monstruosos etc. 
                Os atos do culto público eram estabelecidos pelos "libvris ritualis" (subdivididos em três partes: Livros rituais, livros fatais e livros aquerônticos) e pelo calendário lunar religioso. Estes livros, ainda, continham algumas normas, que se deviam seguir na fundação de alguma cidade, nos regulamentos sociais e militares e para consagrar um templo ou uma ara. 
                   Nos templos eram colocados sacerdotes recrutados entre os pertencentes a famílias nobres. Esse sacerdócio, hierarquicamente organizado, era dividido em três categorias, por vezes em colégios, e tinham á sua frente um "sumo-sacerdote". Grande era sua importância política, porquanto somente os sacerdotes sabiam interpretar os sinais do céu.  
             As celebrações do culto consistiam em preces, em oferendas incruentas e em sacrifícios cruentos. 
               Nos funerais eram colocados móveis, tapetes, víveres, porque, segundo a concepção religiosa etrusca, o defunto continuava, mesmo no Além, sua vida terrena. 
             Eram, em fim, homens que se salientavam principalmente por aquela sabedoria de vida que tornara famosos seus espetáculos, seus banquetes, seu artesanato; hábeis e arrojados comerciantes, pouco inclinados a sofrer os riscos e os aborrecimentos do serviço militar, decididos a gozar na terra tudo quanto a vida pode oferecer de bom, sem importar-se muito com o dia de amanhã. A verdade é que boa parte de sua sólida técnica legislativa militar e construtiva os Romanos herdaram dos Etruscos. 
             Povo, portanto, rico de vida e poder criador, capaz de exprimir obras primas de arte e de instalar sólidas empresas comerciais; arquitetos que sabiam construir edifícios tais que poderiam suportar mais de trinta séculos de assaltos e de intempéries; sábios que perscrutavam o futuro no fígado dos ovinos ou no  voo dos pássaros; requintados cultores da serenidade de convivência, musicistas, atores, homens hábeis ante qualquer manifestação de vida, que tornaram a Itália digna êmula da gloriosa Grécia.


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