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terça-feira, 12 de maio de 2020

A REVOLUÇÃO FRANCESA - CAUSAS E CONSEQUEÊNCIAS



                Durante o reinado de Luiz XIV, a cidade fora enriquecida de palácios e monumentos, jardins luxuriantes de vegetação floresceram às margens do Sena; poetas, pintores, cultores de letras acorreram de toda parte, atraídos pelo fausto da Corte. A revolta do povo com as mordomias absurdas só aumentava dia a dia. O Rei Sol, ainda não satisfeito com o palácio de seus avós, mandou construir o de Versalhes, no lugar onde ficava o cassino de caça de Luiz XII. Sobre aquele terreno, outrora paludoso e insalubre, situado a poucos quilômetros de Paris, formou-se, como que por encanto, uma pequena cidade, circundada de maravilhosos parque ew jardins, alegrada e animada por espelho de lagos e chafarizes, e gargalhar de regatos. Naquela cidade de sonho, encontram asilo naquela época, nada menos dezoito mil nobre literatos. Mantida às do povo ativo e laborioso da vizinhança, a Corte entregava-se ao ócio, a jogos e festas, alternando as caças com récitas de gala. (Fazendo um paralelo - Brasília não está nada longe da antiga França Feudal).
               
               Não era mais o tempo em que o povo parisiense podia, nas assembleias, pesar com sua opinião nas decisões do rei.  Luiz XIV impusera seu domínio absoluto. 
             - "Isso é legal porque eu quero! - L'État cèste moi!" - eram suas frases preferidas. E o que o Rei Sol dizia, perante todos os nobres conselheiros, a pomposa corte de Versalhes, onde viviam como pássaros em gaiola de ouro, era mesmo lei, e a eles só restava obedecer. 
              Cresceram as injustiças e as vexações, choveram as taxas e os impostos, diminuíram os direitos do bravo povo da França, durante os reinados de Luiz XV e Luiz XVI; e, se Luiz XIV, embora na dureza de seu governo, havia excitado uma iluminada política exterior, seus sucessores não foram capazes de adornar-se ente os olhos dos súditos com qualquer mérito particular. 
               E as diferenças entre os privilégios da nobreza e os do clero com respeito ao "Terceiro Estado", a bancarrota financeira do Estado e a debilidade demonstrada pelo monarca Luiz XVI para manejar esta situação, junto com a força adquirida pelas ideias iluministas, propiciaram o movimento revolucionário que eclodiu em julho de 1789 com a simbólica "Queda da Bastilha".
                 O perigo da revolução começou a desenhar-se em setembro de 1715; nesta data  morria Luiz XIV, a quem os cronistas franceses chamavam de "Rei Sol", um rei  que não tinha por certo qualidades para dirigir um país, mas que, apesar de tudo, usufruía dos últimos reflexos da glória de Richelieu e de Mazarino, de maneira a dar aos seus súditos menos exigentes a impressão de resplender com luz própria.  Subia ao trono um menino de cinco anos, bisneto do defunto soberano, sob o nome de Luis XV; a regência fora confiada ao Duque de Orleans, um homem corpulento, mas algo curto de intelecto, que,certamente, não poderia levar a França a melhor sorte, tanto a nação já estava comprometida pelos desacertos de Luiz IV. De fato, as tentativas de instaurar uma sólida política financeira, isto é, de operar aquele reerguimento da economia de que o país tinha tanta necessidade como do ar, fracassaram uma após outra; contribuíam para criar o caos econômico a incompetência dos ministros (o próprio banqueiro Law, um escocês que conquistara a confiança do Regente, revelou-se um parlapatão), as enormes despesas da corte, as loucas especulações dos príncipes, a indiferença de quem deveria arcar com o peso das responsabilidades. As intrigas da corte misturavam-se à política interna e até àquela externa embaraçando-lhes e variando-lhes o curso de maneira imprevisível; homens sem qualquer valor alcançavam cargos altíssimos, devido ao favor do soberano; compravam os postos de comando ou os obtinham por meio de recomendações; uma classe privilegiada, constituída de nobres e clero, espremia sistematicamente o povo e delapidava milhões; as coisas se tornaram cada vez piores depois do advento ao poder do soberano, tornado maior de idade; Luis XV era homem de inteligência viva, de discreta cultura, mas não teve nunca nem vontade nem força para intervir eficazmente na política de seus ministros; ou talvez visse muito bem onde e como estivessem precipitando as coisas e considerava já inútil qualquer tentativa para salvar um barco que fazia água por todos os lados. "Depois de mim, o dilúvio" é a frase que os historiadores lhe atribuem, frase impregnada de um sorridente cinismo, que pode ser apreciada por algum particular, mas que faz estremecer um chefe de estado. As intrigas da corte, dirigidas por poderosíssimas favoritas do Rei, multiplicaram-se as despesas e as dívidas tornaram-se ainda mais imponentes. As guerras de sucessão, polonesa e austríaca, e a guerra dos "Sete Anos" reduziram o prestígio militar e político da França. 
               Com a morte do Delfim, Luiz XVI, que era seu neto, encontrou nas mãos um país à beira da bancarrota, uma nobreza indolente, uma plebe irritada e sediciosa; a única classe que revelava uma robusta vitalidade era a burguesia, nutrida pelo pensamento iluminista, que estava derrubando um após outro os fetiches da época feudal. Luiz XVI, filho do Grande Delfim da França, era um rapaz culto, bastante esperto, mas tímido e de caráter manso, ao contrário da esposa, que era, ao invés, ardente e impulsiva; ele ocupava-se com geografia, ciências naturais e tinha até aquilo que os americanos chamam de "hobby", um trabalho manual, com que se distraia nas horas de lazer. No início de seu reinado, recebido favoravelmente por todas as camadas sociais, ele confiara as forças da França a um hábil ministro, Turgot, que estabelecera um vasto programa em todos os setores da administração pública. Todavia, as eternas intrigas da corte fizeram com que somente dois anos depois, em 1776, Turgot fosse demitido e substituído por Jacques Necker. Este, que soube quanto de bom havia no programa de seu predecessor, ficou logo em posição desfavorável perante a nobreza, devido a certas suas públicas revelações quanto às despesas da corte (cerca de sessenta milhões de francos, de então) e, em 1781, teve que demitir-se. A dispensa de Necker fez ainda mais agradar o descontentamento que lavrava entre a população, que já não mais sofria o jogo feudal, agora cônscia de seus direitos e aspirante a uma mais larga justiça distributiva. 
                 Os ministros que se seguiram, Calombe e Loménie de Brienne, ligados aos interesses das classes privilegiadas, aumentaram o dissídio entre o povo e a coroa, tornaram irremediável a anarquia do erário, arruinaram, em poucas palavras, tudo quanto Turgot e Necker tinham iniciado; de todos os lados, reclamavam-se reformas, tanto pelos chefes populares como pelos intelectuais, até que o Rei, debatendo-se entre as opostas correntes, viu-se obrigado a convocar os Estados Gerais, supremo congresso da nação francesa. A última convocação remonta ao ano de 1614, mas bem diferente era, em 1788, a atmosfera em que os representantes da aristocracia, do clero e do terceiro estado se preparavam para deliberar sobre os destinos de seu país. As eleições de deputado à suprema assembléia foram tumultuadas; cidades e campos, e a própria Paris, já viviam em um clima de revolta. O rei e a corte assistiam, se não indiferentes, certamente como estranhos a esta explosão de ideias e de sentimentos desde muito tempo contidos. Até que, em 1788, o descontentamento do povo explodiu de maneira tangível, com demonstrações de cortejos pelas ruas de Paris. 
               O período do reinado de Luiz XVI (1774 a 1792) assiste às últimas e frustradas tentativas de conciliar os interesses em conflito . Enquanto o monarca ensaiava tímidas  tentativas de controlar a crise, a aristocracia e o Terceiro Estado (burguesia e povo); cada vez mais irreconciliáveis, preparavam-se para o confronto final, que acabou eclodindo.
                "Mas, eles não tem pão? Ora,  porque não comem bolos?" Esta frase atribuída a Maria Antonieta fê-la passar para a história como um modelo de falta de visão dos problemas sociais e de cinismo. A rainha da França, com a revolução nas ruas, achava possível que o povo escolhesse entre pão e bolos. 
               A simples possibilidade de que a esposa de Luiz XVI haja pronunciado realmente tais palavras, seja por insensata frivolidade, seja por pura ignorância, bem demonstra o abismo existente na França entre as classes sociais, no exemplo representadas pelos seus extremos: a nobreza (da qual a rainha era um expoente) e a população pobre de Paris. 
                Dir-se-ia que os nobres (inclusive o alto clero), a burguesia, o povo das cidades e os camponeses viviam em mundos diferentes. Presa aos seus interesses particulares, a nobreza era incapaz de perceber as aspirações das outras classes, insensível ao que se passa fora de seu próprio círculo social. Detentora de todos os privilégios, recusava-se a abrir mão de qualquer deles, até que lhes foram tomados pela força no último decênio do século XVIII. 
              O final do século XVIII foi uma época de transtornos em muitas partes do hemisfério ocidental, atribuídos, direta e indiretamente, à efervescência das ideias conhecidas como Iluminismo, reflexo das necessidades e tensões de uma sociedade em transformação. Tais ideias baseavam-se no novo conhecimento científico do século XVII, engendrando uma nova fé na razão e no progresso. Por um lado, isto levou a uma resistência à autoridade e a uma afirmação dos direitos humanos, expressados na famosa declaração de Jean-Jacques Rousseau de que o homem nasce livre, mas em todas as partes está acorrentado. Por outro lado, as novas ideias foram uma inspiração para os monarcas, que, no final do século XVII, começaram a concentrar o poder em suas próprias mãos e a governar mediante agentes burocráticos nomeados por eles. Governantes centralizadores e iluministas  como José II da Áustria (1780 x 1790) ou Frederico II da Prússia (1740 x 1786) inspiravam-se nos filósofos racionalistas como os enciclopedistas, para quem o governo era uma ciência que leva à eficiente satisfação das necessidades. Entretanto, suas atividades centralizadoras encontraram resistência em todos aqueles que tinham interesses criados no Antigo Regime: Igrejas, agremiações e corporações e, sobretudo, a aristocracia. Seus líderes recorreram às teorias de Charles Montesquieu e Burke para demonstrar que a sociedade era uma formação orgânica e seus agrupamentos tradicionais não só conferiam direitos inalienáveis a seus membros como produziam um equilíbrio de poder que resguarda os indivíduos da tirania. isso e o desejo de autonomia das províncias deram origem a um descontentamento. Ficou claro, que a efervescência não se deteria aí. 
               O mais provável era que ocorresse uma rebelião nas origens onde a aristocracia podia contar  com o apoio dos camponeses; mas na Europa Oriental estes últimos ainda eram servos, e era pouco provável que se rebelassem para apoiar os latifundiários, que eram seus opressores diretos. Contudo, as inovações também desagradavam aos camponeses, que às vezes lutavam tenaz,mente para conservar sua forma de vida tradicional, como o fizeram na Rússia sob o domínio de Pugache e na Hungria de José II. 
               Na Europa Ocidental, uma reação semelhante dos camponeses diante do poderio estrangeiros nas revolução belga teve certa importância. Por outro lado, os camponeses poloneses tinham poucos incentivos para apoiar a nobreza nas insurreição de 1791 e 1794 e o mesmo aconteceu na Irlanda, onde os nacionalistas de classe média, que contavam com o descontentamento dos camponeses em relação aos latifundiários ingleses, sentiram-se fraudados e sucumbiram frente às forças armadas britânicas por não chegar-lhes ajuda da França. Em compensação, os camponeses sérvios, que se insurgiram em 1804 na primeira revolta nacionalista dos Bálcãs, resistiram durante três anos até serem subjugados pelos exércitos reorganizados do sultão. 
                 As revoluções aparecem em grande escala pela primeira vez nas colônias inglesas da América. Recorrendo à filosofia de Locke sobre o direito natural, os colonizadores negavam-se a pagar impostos estabelecidos por um parlamento em Londres no qual não estavam representados. Em 1775, a disputa chegou a uma guerra declarada. Os homens moderados que mantiveram a antiga estrutura da sociedade foram substituídos por outros com objetivos mais democráticos e a guerra pela independência nacional ganhou apoio em todas as camadas sociais, incluindo pequenos agricultores, trabalhadores das cidades e a numerosa burguesia. O exemplo norte-americano para os rebeldes nos Países Baixos, assim como na França, cujas tropas lutaram no lado norte-americano durante a guerra. Mas na Holanda  e na Bélgica, as facções estavam muito divididas entre objetivos reacionários e progressistas e no êxito  frente à intervenção estrangeira. 
            A burguesia de Paris, que mais de perto pudera ver o esfacelamento da Corte, deu o exemplo. Atrás dela movimentaram-se as outras regiões da França, arrebatados pelo mesmo vendaval revolucionário. O Terceiro Estado, que abrangia os operários, os artesãos, os trabalhadores rurais, os homens de profissões liberais, os comerciantes, e que contava em seu seio a fina flor dos intelectuais, homens ilustres, cultos, estudiosos, espíritos amantes da justiça, reivindicou, afinal, seus direitos postergados. 
                No final do século XVIII, os sistemas econômicos e culturais das sociedades americanas eram mais evoluídos e complexos do que os regimes que as governavam. No centro e leste da Europa, governantes esclarecidos se empenhavam em instituir sistemas de governo mais centralizados e burocráticos em sociedades ainda basicamente feudais. Várias revoluções na Europa Ocidental me no Novo Mundo originaram sistemas políticos de governos abertos, sujeitos à prestação de contas, regidos por constituições escritas e com assembleias eleitas. ainda que raramente democráticas. Em outras regiões, governantes como José II e catarina a Grande da Rússia, viram fracassar reformas frente aos poderes da nobreza e estruturas econômicas feudais predominantemente agrárias. A assim chamada era das revoluções foi limitada geograficamente e serviu para distanciar ainda mais a Europa Oriental da Ocidental. 
               Grã-Bretanha e França (os dois principais estados da Europa Ocidental no final do século XVII) tinham economias desenvolvidas, com crescente mercado doméstico para as indústrias e comércio ultramarino em expansão. Eram também centros do iluminismo e os principais filósofos (embora não se manifestassem abertamente sobre política nem pregassem a revolução) com frequência aludiam ao distanciamento entre as necessidades da sociedade e a capacidade dos governos de atendê-las. 
                 A Grã-Bretanha possuía o sistema político mais avançado, calçado em um único parlamento nacional, que conferia certa representatividade ao governo, e um eficiente sistema fiscal. Já a França tinha sociedade e economia modernas, mas o governo dependia de um sistema tributário medieval. No último quarto do século XVIII, a monarquia  francesa tentou reformar o sistema fiscal, mas fracassou: interesses de setores como a nobreza e os proprietários de terras combinaram-se ao temor  de que uma monarquia financeiramente forte se tornasse despótica. Já a Grã-Bretanha evitou crise semelhante no plano interno, mas as tentativas de reformas administrativas nas treze colônias Norte Americanas geraram confrontos que culminaram na Revolução Americana. Isso se deu nos anos 1775 a 1781 com a independência dos colonos. Essa independência se deu porque os colonos foram forçados à rebelião por um Estado no caminho da tirania. A partir de então os colonos americanos ergueram estruturas políticas próprias, forjando um novo Estado; voltaram-se para os filósofos políticos do iluminismo, em especial Montesquieu, buscando formas de governo com equilíbrio entre os poderes; com a elaboração de uma Constituição escrita e formal, instituindo um regime de governos eleitos, os revolucionários norte-americanos promoveram o progresso da cultura política ocidental.
                  Uma revolução  Holanda em 1787/ 88 repetiu os acontecimentos da América do Norte. A frágil estrutura federal da república Holandesa parecia ameaçada por propostas de reforma do exército apresentadas pelo seu governante, o "stadholder" (um vice-rei e uma província da Holanda). O temor do despotismo motivou revoltas nas províncias e fez surgir um movimento patriótico, que exigia independência e participação. 
                Na França, em 1789, uma crescente crise financeira precipitou acontecimentos semelhantes , embora mais conturbados. Confrontado por uma oposição resoluta a seus planos de reforma fiscal. Luiz XVI convocou os Estados gerais, assembleias de representantes eleitos de todo o reino que não se reunia desde 1614. Esta medida trouxe um novo grupo para o centro da vida política francesa. A indecisão de Luiz XVI face a uma colheita desastrosa, sublevações no campo, falência iminente e, acima de tudo, o conflito hostil entre deputados da nobreza e da plebe criaram uma lacuna de poder logo preenchida pelos estados Gerais, agora a autoproclamada Assembleia Nacional. Colocando-se á frente dos acontecimentos, o organismo aboliu os privilégios fiscais (o que reduziu o poder político da nobreza, da Igreja e de muitas cidades e províncias) e criou um sistema administrativo uniforme com a extinção das antigas províncias e Assembleias locais. Em 1791, foi criado um Estado centralizado com uma nova Constituição baseada em uma monarquia limitada, em parceria com uma Assembleia eleita, fundamentada na riqueza. Cessava aí o consenso entre os revolucionários. Entre 1791 e 1799, a Revolução Francesa foi marcada por dissensões violentas na nova classe política, com questionamentos sobre o grau de democracia da Constituição, a validade da monarquia e, fundamentalmente, sobre a continuidade da revolução. Enquanto isso na América do Norte divergências semelhantes evoluíram de forma, em geral, tranquila. 
                Na França três fatores precipitaram a violência: Luiz XVI tentou emergir como centro de oposição à Constituição; muitas formas, especialmente as que afetavam a Igreja, eram impopulares no campo; e, acima de tudo, as outras potências européias logo interviram para tentar deter a Revolução que se aproximava e tirar partido de uma França debilitada. Tudo contribuiu  para jogar por terra o pacto de 1791. 
                 Em 1792, a França estava em guerra com Áustria e Prússia e, em 1793, com a Grã-Bretanha. No mesmo ano, Luiz XVI e a Constituição deram lugar a uma República com um governo de guerra apoiado em nova Convenção Nacional, eleita por sufrágio masculino universal. Dissensões levaram os revolucionários a uma guerra civil. E, após vários expurgos do governo e abandono da Constituição democrática de 1793, houve um consenso que permitiu a Napoleão tomar o poder em 1799 como ditador militar comprometido em proteger as novas classes políticas, embora privando-as do poder. 
                A diversidade na composição e nos interesses das diversas camadas sociais explica porque a Revolução Francesa atravessou diversas fases, à medida que os acontecimentos favoreciam a ascensão de uma  ou outra facção ao poder. 
              Além do mais, a maior parte dos interesses em jogo não era necessariamente contrária á existência da monarquia, desde que constitucional. Luis XVI perdeu seu trono em 1792 e pouco depois sua cabeça em 1793 devido à sua própria incapacidade de definir-se diante da Revolução. Com eleito, se ele favoreceu a burguesia nomeando Turgot ministro das Finanças em 1774, impediu que as reformas se completassem demitindo-o bruscamente em 1776. Seguiu escolhendo ministros reformistas (Necker -  de 1776 a 1781; Calone de 12783 a 1787; Brienne de 1787 a 1788 e novamente Necker  que seguiu até à revolução), mas permitiu que a oposição da nobreza reduzisse  a nada o programa dos ministros. A convocação dos estados Gerais para 1789 representou a derradeira tentativa de conciliação. O falatório dos tribunos serviu apenas para demonstrar que suas divergências  eram profundas demais. Sem esperar pela conclusão dos parlamentares, esgotou-se a paciência popular. A 14 de julho de 1789, o Terceiro Estado(Povo) passou às armas, atacando a ´risão da Bastilha  e iniciando um novo período da história da França. 
              Foi a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, o sinal para a revolta. A velha e tétrica prisão, onde enlanguesciam os primeiros espíritos revolucionários, era o símbolo do despotismo. A seguir, vieram os turbilhonantes dias de outubro, quando a massa do povo parisiense, onde havia milhares de mulheres famintas, avançou sobre o castelo de Versalhes e, após invadi-lo, obrigou o rei a voltar a Paris. A Revolução Francesa estava em marcha. 
                Quando em 12 de setembro de 1792, numa atmosfera ainda rubra de lutas e sangue, foi proclamada oficialmente a República Francesa, e os princípios de um governo democrático, segundo o qual os homens devem ser livres e iguais em seus direitos de liberdade, de propriedade, de segurança pessoal e de resistência à opressão, foram enunciados, pela primeira vez, no antigo berço da monarquia francesa, o mundo inteiro compreendeu que os dramáticos dias que os cidadãos de paris haviam vivido, não pertenciam somente à história de uma cidade, mas assinalavam o advento de uma nova ordem de coisas, um novo mundo. 
               O processo revolucionário francês é, sem dúvida, o mais importante dentro do agitado panorama político do século XVIII. Foi, além disso, um dos mais polêmicos. A historiografia preocupou-se constantemente dele e são milhares os escritos que apresentam a Revolução Francesa como uma grande façanha ou, ao contrário, como um acontecimento pernicioso e até desnecessário para a França e à cultura ocidental. 
                 É difícil elucidar os motivos que conduziram a esta obsessão pelo tema. Muitos são os fatores que se aglutinam em torno da França e da Revolução, apresentando-a como um tema apaixonante e extraordinariamente complexo. 
                 A monarquia absolutista francesa chegou com Luiz XIV e a sua máxima expressão de grandeza e centralização. Seu sucessor, Luiz XV (1715 x 1774), teve, entretanto, menos êxito. Apesar de o esplendor de sua corte não ter diminuído em relação à época do Rei Sol e ninguém ter questionado o seu absolutismo, a maioria de suas iniciativas em política exterior fracassou. A infrutífera participação da França na Guerra dos Sete Anos e na contenda pela sucessão Austríaca significou ao país mais poderoso da Europa perder seus territórios na Índia e na América do Norte.  
               A humilhação destas derrotas foi parcialmente compensada pelo bem-sucedido apoio da França à revolução das colônias inglesas entre 1776 e 1783, embora a sua independência de nada tenha servido para recuperar o que perderam em 1763. Pelo contrário, investiu-ser uma quantidade de dinheiro considerável, proveniente do Tesouro do Estado. A França encontrava-se em meio a uma crise financeira de grandes proporções, acentuada pelo crescimento populacional e pela subida dos preços, especialmente dos alimentos, que em algumas regiões se quadruplicou durante o século XVIII. Para evitar a bancarrota, o governo de Luiz XVI (1774 x 1793) chamou uma sucessão de conselheiros especializados que recomendam uma ampla gama de soluções, como, por exemplo, elevar os impostos (que recaíam principalmente no "Terceiro Estado"), ou reduzir os gastos. Todas as tentativas foram inúteis e não foi possível equilibrar o orçamento. Finalmente o governo tentou uma nova saída: cobrar impostos dos setores que estavam isentos: a nobreza e o clero. 
                Os dois grupos estavam dispostos a não perder este importante privilégio, ainda mais se considerarmos que, com o absolutismo dos Capetos, perderam toda a ingerência no governo. Tão profunda era a crise que Luiz XVI decidiu convocar os Estados gerais, a antiga assembléia representativa da França, que não se reunia desde 1614. 
                Esta importante convocação tornou-se realidade em maio de 1789, dentro de uma atmosfera de desespero geral, produto das más colheitas dos anos 1787 e 1788. A coroa perdeu o controle quase imediatamente. Durante três semanas houve disputas entre os três Estados a respeito da forma de votar, a nobreza e o clero eram defensores do voto por classe social; o Terceiro estado, do voto por cabeça. 
              Apoiado por alguns nobres e sacerdotes simpatizantes, a e dada a esterilidade da reunião, o Terceiro estado constituiu-se em junho na "Assembléia Nacional", exigindo garantias efetivas para os direitos básicos dos franceses, uma monarquia constitucional com uma assembléia representativa e outras reformas que aboliram os privilégios dos nobres e dos sacerdotes.
                 Este conceitos ganharam força entre os intelectuais no transcurso do século XVIII e eram perfeitamente conhecidos entre os franceses alfabetizados. 
                 Entretanto, Luiz XVI relutou em aceitar estas reformas. No princípio de julho, decidiu dissolver a Assembléia Nacional pela força, fato que, somado à impaciência do povo parisiense, contribuiu para polarizar os ânimos e agravar a situação que já era crítica.
                  No dia 5 de maio de 1789, em Versalhes, reuniram-se 1145 homens, chamados pelo Rei para deliberar quanto aos destinos da França; daquela França que, por causa da pluri-decenal incúria  de seus ministros e de seus soberanos, já marchava à deriva, como se fora uma nau desgovernada. Duzentos e setenta, entre os deputados reunidos em Versalhes, representavam a intiga e a recente nobreza da França; duzentos e noventa e um eram os representantes do clero, a segunda classe, pela riqueza e privilégios; os remanescentes 584 representavam, na assembléia, os direitos do terceiro estado, isto é, da burguesia e da arraia miúda.
                A abertura dos estados Gerais ocorria em um clima envenenado pelo ódio de classes; as primeiras sessões, em que se discutiu o sistema de votação, não fizeram mais do que aumentar o atrito, revelando o insanável dissídio entre o clero e a nobreza de um lado e o terceiro Estado do outro. Os representantes deste último, que, entre outras coisas, propunham as soluções mais lógicas, acabaram por se separarem do resto da assembléia, reunindo-se, visto que o Rei lhes vedara o acesso na sala de sessões, no recinto dos esportes (aquilo que equivaleria, em nossos dias, a uma quadra de tênis coberta); tendo constatado que eles representavam a grande maioria da população francesa, os deputados do terceiro estado constituíram-se em Assembléia Nacional e, após o discurso que o rei pronunciou, três dias depois, recusaram dissolver-se. Ante esta situação, também os demais deputados aderiram ao movimento. No dia 27 de junho era oficialmente inaugurada a Assembleia Nacional Constituinte, que se propunha reordenar pela base o regime político do País.  
             A Revolução estava em marcha antes que a corte pudesse certificar-se disso; e o povo, de que a Assembléia representava somente em parte o copo diretivo, vinha bruscamente à ribalta e vibrava um primeiro e terrível golpe. Surgia em Paris, no bairro de Santo Antônio, um enorme edifício cinzento, forte com suas catorze torres, cheio de ameias e canhões: a Bastilha. Fazia mais de quatro séculos que a gigantesca fortaleza, onde qualquer pessoa podia ser trancafiada por uma simples ordem do soberano, representava, em Paris, o símbolo do absolutismo; homens de qualquer condição, literatos, nobres, populares, culpados e inocentes, consumiram a vida e morreram entre aquelas paredes. Em Paris, na noite de 14 de julho, respirava-se ar de barricadas; a revolta dos representantes do terceiro estado tinha agido como um clarim de guerra sobre a alma dos parisienses, e a sedição estava em ato. Pela manhã, os grupos de populares,que durante a noite tinham acampado e rumorejado pelas ruas, uma multidão, verdadeira maré que, como que levada por um obscuro instinto, marchou contra a Bastilha. Aos gritos da plebe, que exigia a libertação dos prisioneiros políticos, a Bastilha Opôs o cego silêncio de suas muralhas; à primeira sraivada, aos primeiros tiros que ecoaram no gigante de pedra, as bocas de bronze dos canhões apareceram nas ameias e a metralha varreu o povo de Paris. O sangue, o troar dos canhões, os gritos levaram ao paroxismo a excitação do povo: aquela que não teria passado de uma demonstração política tornou-se assalto e fúria destruidora. Sob o ímpeto da massa, cederam, em poucas horas, as portas e os torrões da fortaleza; um rio de homens furibundos irrompeu para além dos fossos, abatendo, destruindo, matando. O governador da Bastilha, Delaunay, aguardou friamente o choque; pouco depois, sua cabeça, já decapitada, ondulava, metida em uma lança, por sobre a multidão; três dos suíços que, fiéis à ordem, tinham permanecido no posto, foram massacrados. A noite caiu sobre a vitória do povo e sobre a nova e mais grave derrota da monarquia: pouco tempo depois, no local onde fora a Bastyilha, transformado em uma grande praça, o povo de Paris dançava a "Carmagnole".
               Agora, qualquer ilusão de poder reconduz\ir as coisas à normalidade, reduzindo a revolução ao estado de um simples motim, caíra também nos ambientes mais renitentes da Corte. Procurou-se salvar o salvável; por isso, o rei tentou entender-se com o único homem que poderia salvaguardar os interesses da monarquia, sem fazer sombra aos representantes do povo, o Conde Gabriel Honorato de Mirabeau. Este, nobre de nascimento, mas despido de recursos financeiros, turbulento e malvisto aos expoentes de sua classe, fizera-se eleger deputado do terceiro estado; aqui passou a ser, pelo contraste existente entre sua condição social e suas ideias políticas, o mediador natural entre as duas potências em luta. A tentativa de conciliação deste homem, valorizado por um engenho e por faculdades tribunícia excepcionais, mas viciado pelo escasso respeito que nobreza e povo tinham por ele (era conhecida sua vida, desregrada e não imune de corrupção), naufragou quando estava para dar seus frutos; em abril de 1791, o grande tribuno morria, e a monarquia encontrou-se novamente sozinha diante da crescente e agora já incontível torrente da Revolução.
           Assim, o dia 14 de Julho de 1789, chegou-se a um dos acontecimentos mais simbólicos da Revolução Francesa: a Queda da Bastilha, um fortaleza que representava para os parisienses o baluarte do absolutismo. De alguma maneira, este fato marcou o fim da antiga ordem. 
                Durante o mês de agosto, a Assembléia aprovou uma série de decretos fundamentais que aboliram a isenção de impostos, o recebimento do dízimo, o monopólio aristocrático sobre os cargos públicos e o antigo sistema feudal. Também promulgou a Declaração de Direitos Humanos e do Cidadão, que proclamava a liberdade, a igualdade e respeito pela vida e à propriedade como os fundamentos do novo Estado. Estabeleceu a igualdade perante a lei e o imposto, a liberdade de expressão e os cargos abertos ao talento. Esta declaração foi um manifesto às classes médias que controlavam a Assembléia e a todos os liberais europeus do século seguinte. 
               A secularização da Igreja foi outra das obras da Assembléia. A Constituição civil do clero dispunha que todos os bispos e  sacerdotes fossem eleitos pelo povo, e submetidos à autoridade do estado. O tesouro público pagaria seus salários e seria exigido que jurassem à nova Constituição. Esta medida adotada pela Assembléia Nacional foi, talvez, uma das mais polêmicas, já que dividiu profundamente a sociedade e mesmo a igreja.
                Em setembro de 1791, a Assembléia deu por encerrada  sua missão ao ser proclamada a Constituição. este documento convertia a França em uma monarquia constitucional, co o rei cujo poder era limitado por corpos administrativos eleitos entre os cidadãos, com direito a voto, de acordo com o critério censitário. Além disso,  estabelecia a separação dos poderes, impondo assim uma das ideias-chave do pensamento ilustrado.  
               O ano de 1791 foi marcado por violentos distúrbios, produto do rumo que tomavam os acontecimentos. Muitos franceses fugiram do país e começaram a organizar a contra-revolução. 
                A ameaça estrangeira foi um fator fundamental para o posterior desenvolvimento da Revolução. Assumindo esta possibilidade, às vezes mais realista que outras, os revolucionários buscaram aprofundar as mudanças para assegurar os resultados da revolução, que se radicalizou a partir de 1792, deixando de lado os objetivos primitivos. 
                 O "grande Medo", os distúrbios no campo e nas cidades e a declaração de guerra à Áustria, no mês de abril, selariam o desenvolvimento posterior da revolução. 
                  Em agosto decidiu-se pela deposição da monarquia, após Luiz XVI ter protagonizado um vergonhoso episódio ao tentar fugir para a Áustria. Para os revolucionários, a tentativa do monarca de escapar da França confirmou os temores de uma grande contra-revolução orquestrada do exterior. O rei foi feito prisioneiro no Palácio das Tulherias junto com toda sua família. Julgado por traição à pátria, foi condenado a morrer na guilhotina, sentença que foi cumprida em janeiro de 1793. Em outubro deste mesmo ano, a rainha Maria Antonieta teve a mesma sorte. 
                  O período de terror iniciou-se em meio a um ambiente viciado, produto da guerra, que era então continental, e das fortes disputal internas entre os mesmos revolucionários. 
            O líder de governo jacobino foi Maximiliano Robespierre, um advogado das arrás que quis fazer da França um Estado moralista onde a razão tomaria o lugar da religião. O governo republicano deixou nas mãos do comitê da Salvação Pública os destinos da França, Suspendendo, além disso, a vigência da Constituição. Assim, a França era governada por um pequeno grupo de jacobinos que radicalizaram ainda mais o processo, ao apoiar-se na "lei dos suspeitos", para desbaratar qualquer tentativa de complô, e na guilhotina. Inclusive, fizeram com que a França adotasse um calendário próprio, marcando o seu início com o começo da República. 
              O primeiro ato político importante da República Francesa, nascida da primeira plebiscitária votação da Convenção, foi a decisão de submeter o rei a um processo regular, sob a acusação de conivência com o inimigo, de traição a dano da nação, e assim por diante. O processo, na realidade, tinha o objetivo de legitimar a morte do rei aos olhos dos estrangeiros, do país e dos próprios acusadores, porque parecia evidente, a muitos, que a própria existência de Luiz XVI, ou de seu legítimo herdeiro, constituiria um perigo constante para a República; em redor do rei exilado (na França, obviamente, não poderia permanecer) poderiam juntar-se todos os emigrados, os legitimados de todos os países, e não faltaria também, na pátria, a formação de um forte partido favorável à restauração; de outro lado, o clima envenenado daqueles dias, a exasperação dos ânimos, a ferocidade dos maiores expoentes da revolução não permitiam meias medidas; nos momentos de desordem, os Marat e os Robespierre, sempre presentes em qualquer multidão, surgiriam em primeiro plano e imprimiriam aos eventos a selvagem violência que os animavam. Orei, portanto, foi processado, reconhecido culpado, condenado  à morte por uma exígua maioria de votos (parece certo que o veredito das urnas tenha sido alterado por Robespierre, que se opôs também a um  referendum popular). Luis XVI transcorreu os últimos sombrios dias de sua breve existência com a família, na Torre do Templo; em 21 de janeiro de 1793, o desventurado herdeiro de Hugo Capeto subia os degraus da guilhotina. Como se o último freio houvesse cedido, a França, após a morte do rei, rolou sempre mais rapidamente para a desordem, em um horrendo banho de sangue. Dois homens dominavam o cenário político, diferentes em índole e aspecto, mas ambos violentos e perigosos: Jorge Danton, maciço e impiedoso, e Maximiliano de Robespierre, magro, frio e cruel. Com o inimigo às portas, a custo contido pelas milícias republicanas, com a Vendéia (região provavelmente monárquica) em aberta revolta contra o estado, qualquer providência, ainda que atroz e absurda, parecia legítima; assim foi recebido como coisa justa o tribunal revolucionário, encarregado de encher de inocentes as carretas que transportavam os condenados para a guilhotina, e o Comitê de Saúde Pública, transformado, por obra de Danton e de Robespierre, em um órgão de terror. Entre os dois chefes do povo (expoente um, Danton, do "Clube dos Coldeliers" e depois daquele da Montanha, o outro, Robespierre, dos Jacobinos, iam-se verificando atritos sempre mais graves; se, em Danton, a ferocidade era temperada e quase justificada por um caráter generoso e por um profundo amor à pátria, em Robespierre, ela aparecia em sua desumana crueza; este homem, frio como seu olhar, sem afetos nem paixões, incorruptível e desapiedado, era um asceta da revolução, dedicado ao seu objetivo, que pretendia alcançar mesmo à custa de semear seu caminho com cadáveres. Danton acabou sucumbindo ao choque, e com ele pereceram na guilhotina seus adeptos. Agora, já o terror não tinha mais limites; também Maria Antonieta foi executada,  apos um breve processo, e seu filho, o Delfim, confiado a um sapateiro, para que o criasse; provavelmente, o jovem príncipe morreu pouco depois, mas, o fato que nada mais se soube dele, criou as mais estranhas lendas a seu respeito e fez surgir, aqui e acolá, alguns anos depois, vários pretendentes ao trono, que alegavam ser o Delfim. Mortos Danton e Marat (este foi morto na banheira com uma faca, pela Carlota Corday d'Amont, jovem filiada ao partido girondino); Robespierre, chefe efetivo do Comitê de Saúde Pública, imperou no país como um ditador; o ritmo  das execuções foi-se acelerando, assistiu ao massacre de milhares de pessoas que com a política nada tinham que ver, até que se chegou, em 1794, a executar mais de duzentas pessoas por semana somente em Paris. Tempos de ouro, portanto, para os carrascos e coveiros. Era evidente (e somente Robespierre, em sua fria e sanguinária loucura, podia não perceber) que as medidas estavam transbordando; os próprios colegas do ditador sabiam que sua vida estava presa a um fio, enquanto aquele paranoico permanecesse no poder. Bastou que ele afrouxasse por alguns dias seu controle sobre a Assembléia para que esta se lhe voltasse contra, decretando-lhe a condenação à morte. Inicialmente fugiu à revolta dos deputados à Convenção refugiando-se entre amigos, no "Hotel de Ville", onde alcançado. Preso, libertado pelos seus companheiros e novamente aprisionado, o tirano subiu os degraus daquele patíbulo sobre o qual mandara à morte milhares de inocentes. 
              Como podemos ver, as tenções entre os jacobinos não se fizeram esperar. Finalmente, foi o próprio Robespierre quem perdeu a vida na guilhotina. Com sua morte, em julho de 1794, o governo do Comitê de salvação Pública e do Terror jacobino chegou ao seu fim. 
              A reação ao governo de Robespierre não tardou achegar: o chamado "Terror Branco" fez estragos no sul da França e os girondinos voltaram ao poder instaurando o governo do Diretório, em 1795. 
                     Naturalmente, os homens que o substituíram não eram melhores do que ele; a reação contra seus supértites partidários foi implacável e durou muito tempo. Os "termidoranos" (assim denominados devido ao mês em que ocorrera a revolta contra Robespierre; no calendário republicano, o mês de Julho fora rebatizado "termidor") mantiveram-se no poder pouco mais de uma ano; segundo uma lei votada pela Convenção, em 1793, lei que entrou  em vigor exatamente em 1795, a França recebia um governo estável, com um Diretório de duas Câmaras. O úlçtimo fatosaliente da época propriamente revolucionária foi um extremo ataque dos realistas à Convenção, em setembro de 1795; os revoltosos foram dispersos, a tiros de canhão, por um jovem general republicano, Napoleão Bonaparte
             O Diretório governou os destinos da França até 1799, em meio a uma corrupção generalizada. 
              Este período, marcado por campanhas militares no estrangeiro, viu nascer para a vida pública um homem que estaria destinado a desempenhar um papel destacado na França pós-revolucionária: corso Napoleão Bonaparte. 
                                Hoje,  o povo de Paris festeja a data de 14 de julho com uma alegria e pompa sem par, e danças e cantos se improvisam pelas ruas da "cidade-luz". 
              Em 1952, Paris comemorou o seu segundo milênio, com festejos poucas vezes vistos em qualquer outra parte do mundo. 
              E as águas do Sena continuam acariciando certamente a pequena ilha onde surgiu Lutécia. Palpita a vida parisiense na "Cité", totalmente reconstruída e modernizada. Todavia, quando alguém vai flanando pelas suas belas alamedas e para de repente, diante do imponente palácio da Justiça, não pode conter um gesto de emoção. É que o edifício foi levantado exatamente no local em que, em tempos que já vão longe. Constâncio Cloro erigiu seu palácio, onde o primeiro rei francês, Clodoveu, quis que fosse sua mansão. E não será talvez uma advertência para toda a França, essa coincidência, como a lembrar a todos os seus súditos que somente a Justiça tem direito de reinar como soberana incontestável? 

Como foi a tentativa de  fuga de luis XVI
               Enquanto o conde de Mirabeua, do alto de suas improvisadas tribunas, trovejava contra reacionários e mazorqueiros, procurando induzir a corte às mais amplas concessões e ao mesmo tempo conter a fúria sanguinária dos extremistas, os eventos sucediam-se, inevitáveis e definitivos, como catástrofes naturais. Em 5 de outubro de 1789, poucos meses depois  da tomada da Bastilha, o povo de Paris, excitado pela ira dos demagogos e faminto pela carestia que, na desordem geral, estava assolando a França, mandou uma sua delegação a Versalhes, a fim de conversar com o rei: uma delegação, a despeito das normas diplomáticas, muito bem armada, composta de vários milhares de homens e mulheres gritando ameaçadoramente. O própreio soberano - Luis XVI era um homem excessivamente bom e meigo, incapaz de uma ação de força - opôs-se a que as tropas carregassem e dissolvessem a multidão que as acotovelava debaixo de suas janelas; a plebe invadiu os jardins, que séculos de cuidados tinham tornado preciosos como jóias, invadiu os salões recobertos de afrescos e parou somente quando diante dos monarcas que, apesar de tudo, ainda impunham certo respeito. O rei, a rainha e a corte tomaram assim contato, dura e bruscamente, com a Revolução, e quando a maré popular refluiu o paço, eles já estavam certos de que não só seus privilégios, mas sua vida e a própria monarquia estavam em perigo. Um após outro, de cambulhada, os nobres ajuntaram quanto puderam de seus bens e fugiram para o exterior, de modo que bem cedo a família real se encontrou quase completamente isolada. Ainda por algum tempo, Luiz XVI teve a sensação de que a popularidade sua e de sua casa, não houvesse desaparecido; sua adesão à festa programada  para o Campo de Marte, no aniversário da tomada da Bastilha, provocou ovações de parte do povo, mas lhe custou humilhações às quais nenhum soberano da França estava acostumado. 
               De Versalhes, imediatamente após a invasão popular, a corte transferiu-se para Paris, para as Tulherias. Aqui, à medida que os meses passaram, o rei mais  e mais se compenetrava de que não era mais do que um prisioneiro de seus súditos. Haviam passado apenas setenta anos desde a época de ouro de Luiz XIV, mas desde esse tempo as coisas haviam mudado e as ideias revolucionárias, saídas dos restritos cenáculos dos pensadores iluministas, tinham encontrado, na França, terreno fértil. Em Paris, estava adquirindo sempre maior prestígio o clube dos Jacobinos que, nascido  com ideias reformadoras algo moderadas e inicialmente favoráveis à monarquia, na qual reconhecia uma função equilibrada, ia-se inclinando sempre mais para uma política extremista. Mirabeau, o único homem talvez que poderia tentar um extremo salvamento da instituição monárquica, pronunciou seu último grande discurso justamente no clube jacobino, mas, com sua poderosa figura, desapareceu o último aliado dos Burbons. Quando o rei pudesse contar com o esforço de Mireabeau para escoar o trono vacilante pode-se deduzir confrontando duas datas, aquelada morte do tribuno em 2 de abril de 1791, e aquela da derradeira tentativa para evitar os fatos. Já desde muitas partes chegara ao rei o conselho de refugiar-se no estrangeiro, sob a proteção das armas austríacas ou prussianas, e tinham-lhe oferecido auxílios para facilitar a fuga. O rei não quisera nunca aceitar, talvez mais pela sua natural incapacidade de tomar uma decisão irrevogável do que pelo orgulho de soberano. A morte de Mirabeau truncou as hesitações e sacudiu a inércia de Luiz XVI, mas tratava-se de uma decisão tardia, tomada sob a urgência dos acontecimentos e, por isso mesmo, mal preparada. Impelida pela ameaça agora sempre mais grave e iminente, a família real resolveu abandonar Paris a fim de refugiar-se em uma província segura. Na noite de 20 de junho, pouco tempo depois da morte do grande tribuno, a família real,disfarçada e acompanhada de pouquíssimas pessoas de confiança, saía por uma porta secundária das Tulherias, retirando-se em uma ampla carruagem. O objetivo da viagem não era aquela de ultrapassar a fronteira, mas o de alcançar o exército do marquês de Boullè, acampado perto de Montmédy. Nas primeiras horas, a fuga parecia transcorrer favorável, mas, infelizmente, em Varennes, quando se procedia à troca dos cavalos, um homem olhou para dentro das janelinhas, que estavam com as cortinas levantadas, e reconheceu o rei. A notícia espalhou-se num relâmpago; não podia haver equívoco quanto aos motivos que tinham conduzido até lá o rei e os seus, disfarçados. Imediatamente, as autoridades  locais providenciaram para bloquear a estação de muda, pediram reforços de tropas e informaram Paris. A família real foi obrigada a desembarcar e, hospedada em uma estalagem, pouco depois era entreegue à Guarda Nacional e reconduzida a Paris, sob uma boa escolta. A notícia da fuga já se espalhara por toda parte e, durante a viagem de regresso, a família real teve que sofrer os sarcasmos e os escárnios da multidão. Ao reentrar nas Tulherias, o rei sabia que os dias de vida da monarquia estavam contados. E, de fato, a Assembléia Nacional providenciou logo para suspendê-lo de suas funções. Durante três meses, enquanto não foi reintegrado, Luiz XVI foi um rei sem reinado, um monarca em exílio, em seu próprio palácio. 


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sábado, 9 de maio de 2020

INDO EUROPEUS - POVOS GERMÂNICOS E SUA LIBERTAÇÃO

Estátua de Armínius em Lippe - Alemanha
           Rumo ao sol, enxames de agricultores-guerreiros migram para terras férteis e com menos bosques do sul mediterrâneo, por causa de explosão demográfica ocorrida durante o período neolítico e a idade do Bronze;  a pequena faixa de terras cultiváveis e a imperfeição das técnicas agrícolas da pré-história provocarão a expansão dos povos. 
               A marcha rumo ao sol, cuja roda simbólica aparece gravada na rocha, será, por isso, a constante dos povos do norte da Europa. Musset não crê possível, sem recorrer à utopia, "determinar uma aparência arqueológica da proto-história a qualquer grupo linguístico". Porém admite, sob reserva, que seja identificada, com a cultura germânica primitiva, "uma certa civilização da fase recente da idade do Bronze que, saindo do núcleo na Escandinávia meridional, começa a se dispersare pela costa, entre o Oder e o Véser". 
              Os indo-arianos, os Italiotas, os Trácio-frígios e os Celtas estão, durante esse estágio, já instalados - ou ocupados com suas conquistas. Os Germânicos, por sua vez, ganham o espaço vital. Por volta do ano 1.000 a.C., apossam-se da grande planície européia, desde o Ems até à Pomerânia central. Aproximadamente em 800 a.C., alcançam, a oeste, a Vestfália e, a leste, o Vistula. E, em cerca de 500 a.C., chegam ao baixo Reno, à Turíngia e à Baixa-Silésia. O mundo celta, efêmero senhor da Europa central, apenas provisoriamente, impede a expansão germânica. Esta última lucra com a sua dispersão. Os homens do Norte em contato com os povos mediterrâneos. 
              Por volta do ano 320 a.C., o foceu Pythias empreendeu um périplo de exploração comercial, em busca de âmbar e de estanho. Traçou sua rota até ao Báltico e, conforme Ludwig Schmidt garante, até à embocadura do Ems. Pythias foi o primeiro a diferenciar os Germanos dos Celtas. Políbio e Estrabão o considerarão mentiroso. Porém, o filósofo Posidonios publicará, nas vérperas da conquista romana da Gália, o relato de suas viagens através do Ocidente; dele se origina a teoria segundo a qual o termo Germanos designa om conjunto dos povos instalados entre o Reno e o Vístula. Um terceiro grego. Timágenes, ensinará a Tácito o que o historiador romano dirá sobre as origens do termo. 
                 A Germânia de Tácito reunirá César (De Belo Gálico), Tito Lívio (História Romana). Plínio (História Natural), e desenvolverá as observações pessoais do autor. " A obra imortal de um romano", dirá Grimm na sua Deutsche Mythologie,"veio se situal na história alemã como uma aurora". 
          Segundo Estrabão, o nome Germanos é um vocábulo latino de germen, o germe". Portanto, Germani indica aqueles que estão unidos pelo sangue. 
                Quanto às tradições dos povos do norte, elas engrandecem a marcha rumo ao sol. Nas proximidades do ano 550 a.C., o ostrogodo Jordanes compõe a lenda histórica do povo godo, com o título: De origine actibusque Getarum (ou Gética); ela é, na realidade, um resumo dos 12 livros perdidos da Grande História dos Godos, encomendada a Cassiodoro pelo rei Teodorico. 
               Jordanes relata a partida dos Godos da Escandinávia, o estabelecimento no norte da Alemanha, e as Grandes rotas do continente. Deixando Scandza (Escandinávia) guiados por um rei, abordam o delta do Vístula e, aí, dispersam os "Rúgios insulanos"; a seguir, submetem os Vândalos, no caminho para o mar do Norte. 
              No grande movimento que leva os Germanos na direção da Pomerânia e do litoral báltico, aparecem sucessivamente os Skires e Bastarnas da Escandinávia. A seguir, no século III da nossa era, os Lugos e os Vândalos saídos da Jutlândia; os Celtas repelidos descem rumo ao Sul. O avanço da confederação germânica dos Suecos, na Saxônia-Turíngia, empurra os Celtas para além do Reno, na primeira metade do século II. 
                A partir do ano 400 a.C., início da idade do Ferro germânica, o avanço maciço dos povos em marcha provocou uma cisão entre o ramos oriental e o ramo ocidental. Uma linha de demarcação começa nas ilhas dinamarquesas, remonta o Oder até à sua confluência com o Neisse e se prolonga para o Sul. Os emigrantes que se embrenharam na direção leste (Vândalos, Lugos, Burgúndios, Rúgios ) estão destinados a uma expansão bem menor do que a dos germanos do Elba; estes, estreitamente ligados ao núcleo germânico e constantemente reforçados com a chegada de novos povos, transformam-se, no século II antes da nossa era, na poderosa confederação dos Hermiones. É no momento em que eles ocupam a Alemanha céltica que surge o termo Germani, e não é coincidência; a confederação é dominada pelos Suevos, Sueboz - "O verdadeiro povo", "os da mesma raça". 
                Apesar das suas dimensões, o país só pode, portanto, possuir uma população muito dispersa. Talvez dois milhões de habitantes, entre o Reno e o Elba. Ou seja, 25.000 por tribo, segundo Hans Delbruck. desde o neolítico, cultiva-se o trigo, a cevada, o milho. as tribos acrescentam a aveia e o centeio. Praticam criação. "É sua unica riqueza, aquela que mais lhes agrada", diz Tácito. Portanto, o vestígio da sociedade primitiva é pastoril; O alfabeto (Uthark) rúnico começa pelo F, pronunciado fehu,aproximando-se do alemão Vieh: "Rebanho". Os Germanos alimentam-se de carne, leite e queijo. A cevada fornece a cerveja. 
                Logo que um espaço cultivável permite a um grupo se fixar, a sua população aumenta. Quanto mais restrito é o espaço, mas rápido é o superpovoamento, o que provoca a emigração, se não de toda a tribo pelo menos dos seus elementos mais jovens e mais combativos. É difícil para os Germanos tornarem-se camponeses; eles deverão ser guerreiros. "Nesse solo rebelde", diz Reynold, "eles adquirem o amor pela terra. Mas não pela deles. Nas jóias bárbaras se entrelaçam linha fantásticas. "Wilhelm Worringer as interpreta (Formproblem der Gothik); entusiasmo apaixonado, vitalidade, inquietude. Entre o mundo germânico e o mundo romano, o choque vai durar seis séculos. 
              A questão indo-europeia provoca polêmicas. Como ponto de partida, o estudo comparativo das diversas línguas desse período histórico e a reconstituição de uma "língua comum", núcleo de todas as outras. Ou, mais precisamente, de um sistema de concordância entre as línguas indo-europeias conhecidas, remontando à época em que elas eram quase idênticas. Quanto ao "povo original", segundo Karsten, seu berço "só pode estar situado" no centro da Europa, e seu aparecimento "numa época pré-histórica muito remota". Baseando-se na linguística e na antropologia, Lahovary chegou à conclusão de que "no neolítico tardio os indo-europeus estavam instalados, grosso modo, ao norte e a leste do Reno, desde o Danúbio superior e os Cárpatos, aproximadamente, até ao Duna e no curso superior do Dnieper, na direção do Leste, onde esbarravam com os Fino-asiáticos". 
               Corolário, apresentado pelo mesmo Lahovay, no "Os Povos Europeus": " À medida que nos distanciamos do seu centro de dispersão européia, suas conquistas mostram-se menos completas e menos duráveis. Por isso, em todo o noroeste da Europa e numa parte da Europa central, temos simultaneamente, pelo menos desde a idade da Pedra Polida, povos do tipo nórdico, uma civilização e uma organização social indo-européias e uma língua, dou dialetos, também indo-europeus. Na Europa meridional, na península ibérica, ao sul da Itália, na Grécia, encontramos a língua, a organização social, as antigas crenças indo-européias (até o cristianismo); no entanto, antes da  nossa era, a grande maioria dos conquistadores do Norte que as tinham trazido já haviam sido absorvidos pelos povos pré-arianos dessas regiões.  Dos três elementos fundamentais (o sangue, a civilização e a língua) cuja presença constatamos no norte da Europa, entre o Somme e o Dnieper, em geral, somente dois são encontrados no Sul. Anteriormente, já nos territórios ainda mais distantes, da Pérsia e da Índia, somente a língua havia conseguido substituir  como testemunho da antiga conquista pelos Nórdicos, com uma parcela muito modificada das crenças e da organização social... 
                A força decrescente dos deslocamentos que haviam levado os Nórdicos a territórios longínquos, muito antes da nossa era, nos fornece por si só uma indicação importante quanto à pátria primitiva dos Indo-europeus, sobre a qual tanto se escreveu, e que originou as hipóteses mais contraditórias e menos comprovadas. Portanto, é evidente que esta pátria deve ser procurada na região onde a influência indo-européia se manifesta mais intensamente e sob aspectos mais variados."
               Na perspectiva de Lahovary, o núcleo germânico não pode ser "indo-europeizado", na medida em que se misturou com a área inicial dos indo-europeus. Para apoiar esta teoria dos "deslocamentos" setentrionais, o antropólogo suíço cita os trabalhos do professor Kalima, da Universidade de Helsinki; este constata que as contribuições mais antigas recebidas pelas línguas fino-ugrianas das línguas indo-européias (anteriores ao ano 2.000 a.C.) provém do indo-iraniano, ramo oriental do indo-europeu. Portanto, que os futuros indo-arianos, antes da sua marcha sobre o Afeganistão e o noroeste do Industão, através da estepe russa e iraniana, estavam na vanguarda do impulso dos Nórdicos na direção do Sudeste, na terceira fase do neolítico. 
               Valendo-se, também, dos estudos dos pré-historiadores poloneses Jazdezewski  e Antoniewicz, ou da escola antropolégica de Czekanowski, lahovary salienta que os Nórdicos introduziram-se no noroeste da Polônia saindo da Alemanha oriental, futuro centro de difusão da civilização "lisaciana", e se espalharam na direção do leste e sudoeste polonês; "Não se pode cogitar", diz ele categoricamente, "nem do ponto de vista da antropologia nem da arqueologia pré-histórica, de uma migração, durante o neolítico, partindo das estepes meridional ou da Ásia central, na direção do centro e do norte da Europa. As escavações realizadas na Polônia e na Maróvia são suficientes para provar que justamente no sentido oposto que se efetuou, nessa parte do nosso continente, a migração dos Indo-europeus."
                O indo-europeu comum, língua sintética reconstituída, comporta, por outro lado, termos designando a fauna, a flora e o clima de regiões temperadas, ou melhor, úmidas e frescas. Encontram-se no seu vocabulário palavras domo faia e olmo, que crescem em solo de aluvião e não existem além do Dnieper e da Crimeia; abelha, cuja criação é impraticável na estepe; salmão, inexistente no Mediterrâneo, no mar Negro e no mar Cáspio, porém abundante no Báltico e no mar do Norte. os indo-europeus antes de se dispersarem conheciam a agricultura, desconhecendo, porém, a videira. Portanto, conclui Lahovary, seu núcleo de origem só podia se localizar ao norte e a oeste da zona das videiras e das estepes, numa região úmida e com bastante bosques, situada na bacia fluvial do mar Báltico e do mar do Norte. 
                Para orientar a grande dispersão do "povo das origens" (Urvolk), ele propõe esse esquema: no limite oriental e sul-oriental do bloco indo-europeu, os "indo-arianos"; os "proto-Hititas" como ramo meridional; o grupo "celta-italiota" a oeste e sudoeste do núcleo inicial; os "Germanos-bálticos-eslavos" ao norte desse território, sem dele se afastarem muito, até aos primeiros séculos da nossa era. A dispersão dos indo-europeus se realizará obedecendo a estes quatro eixos. 
                 Por volta dos ano 20 a.C., os Cimbros,os Teutões e os Ambrões abandonaram a Dinamarca, onde grassava a fome e a deterioração do clima. Na mesma direção dos seus predecessores vândalos , seguiram a rota terrestre que conduzia ao baixo Oder. Passando entre os Suevos do Elba central e os Vândalos-burgúndios já estabelecidos, foram repelidos pelos Celtas Boiens, na Boêmia-Morávia, e atacaram os da Noréia, nos Alpes orientais, em 113 a.C. De volta ao vale superior do Danúbio, entraram na Gália através da planície suíça. Divididos em três bandos, derrotaram os Romanos em 109, 107 e 105 a.C., no eixo do Ródano, e saquearam Gália central e a Aquitânia.  expulsos da Espanha pelos Celtiberos, foram finalmente refreados pelo cônsul Marius; primeiro os Teutões, em 1023 a.C., perto do Aix-en-Provence; em seguida os Cimbros, em 101 a.C., na planície do Pó. Fuga dramática, seguindo um itinerário ilógico, e que só teve como consequência agitações e invasões locais. 
              Porém, em 75 a.C., os Suevos Hermiones, por sua vez, inciaram a marcha e se encontram com César. este lhes fornece um efetivo de 120.000 cabeças, ou seja, excluindo mulheres e crianças, restavam de 25.000 a 30.000 guerreiros. Sete povos, 100 pagi marcham com um "rei federal" a quem César concederá o título de rex Germanorum, rei dos Germanos: Ariovisto. 
            O chefe dos guerreiros suevos (suábios) tomou a iniciativa e o comando da emigração. Ele não planeja enfrentar Roma; seu objetivo é se estabelecer em terra gaulesa. Assim que atravessou o Reno, sua confederação recebeu o reforço de inúmeros Bárbaros. 
             O exército de Ariovisto aterroriza os espiões de César; eram homens de uma estatura gigantesca, de uma valentia incrível, com um treinamento também incrível. Entra-se em pânico assim que eles olham para o inimigo. Ninguém foi jamais capaz de enfrentá-los. 
               A confederação veio para intervir no conflito que envolve os Gauleses Éduos e Sequanos. Estes últimos cometeram o erro de recorrer a Ariovisto, cujo nome parece celta e que fala o gaulês. Logo que chegou, o rex Germanorum exigiu o primeiro terço das terras; em seguida, o segundo. Os Éduos, então, enviaram como embaixador a Roma um amigo de Cícero: o filósofo druida Divitiac. "-Caso se deixe Ariovisto com liberdade de ação", declara ele, "arrastará atrás de si todos os germanos, conquistará toda a Gália e em seguida lutará contra a Itália. 
              Para César o raciocínio é elementar; a anarquia gaulesa demanda um dirigente; é preciso, portanto, impedir que este dirigente seja germânico. Em 58 a.C., César e recebe do comício, pelo período de cinco anos, o pro-consulado, na Ilíria e na Gália Cisalpina. O Senado acrescenta a Gália transalpina, isto é, a província (a Provença, mais o Delfinado, a Savoia, as Cevenas e o Languedoc)  e os aliados da Gália independente. Éduos e Sequanos, Gauleses da Borgonha e do Franco-Condado reconciliam-se com o medo de Ariovisto, que pressiona os Helvécios no alto Reno e vem acantonar-se perto de Belfort. 
              Conforme seu hábito, o procônsul quer ganhar tempo. Encontra-se com ariovisto nas margens do Reno, e o censura por haver traído a amizade romana; (um ano antes,l o Senado conferiu ao Germano o título de amicus populi romani, (amigo do povo romano). 
              Ariovisto repele as condições de César e diz à sua tropa: " - Comigo ninguém ainda combateu se ser derrotado. Caso césar sinta este desejo, que combata! Então ele verá que espécie de heróis são os invencíveis Germanos que, preparados desde a juventude para o manejo das armas, há 14 anos não dormem debaixo de um teto!"
              Esta última característica é verdadeira, pelo menos no que se refere à sua guarda pessoal, instituição típica da realeza germânica. Entretanto, a partir de setembro de 58 a.C., César ataca na Ilsácia entre Fecht e o sopé dos Vosges. Ao fim de uma batalha especialmente violenta, Ariovisto vê-se obrigado a atravessar de novo o Reno. Por sua vez, César o atravessará em 55, 54 e 53 a.C. Estas manobras dissuadirão os Germanos de se envolverem nas revoltas gaulesas de 52 e 51 a.C. 
              Terminada a conquista das Gálias, as legiões estarão nas margens do Reno, frente aos Germanos ocidentais, que combaterão, desde Augusto até Maximiniano, o Trácio, os imperadores romanos. Porém, serão os Germanos orientais que desencadearão a ofensiva, no século II da nossa era. Conflito em três etapas. 
               A primeira fase, inciada com a batalha de Aix-en-Provense, será terminada quando Cláudio levar as legiões para trás do Reno e quando Adriano proteger-se no limes, a linha de fortificações da fronteira. Ou seja, quando os Romanos, após 50 anos, renunciarem ao "grande plano" de Augusto: a penetração da Germânia.
             A segunda fase, aquela da defensiva, terminará, no Oriente,  quando os Visigodos esmagarem, em Andrinopla, o exército imperial, no dia 9 de agosto de 370 d.C.; no Ocidente, no dia 31 de dezembro de 406 d.C., quando os Alanos, os Suevos e os Vândalos, em massa, atravessarem o Reno. 
             Na terceira fase a História sofrerá uma reviravolta, quando os Germanos dividirem entre si os restos do império. Germanos tiveram que enfrentar o expansionismo romano. 
                No dia 24 de agosto de 410 d.C., os Visigodos liderados por Alarico invadem Roma. 
              A cidade não tinha defesas. Dois anos antes, como prêmio da sua fidelidade ao império, o leal Stilicho havia sido assassinado, a mando do imperador Honorius, depois de haver, por três vezes, salvo a Itália. Uma conspiração de Galla Placidia , filha de Teodósio, e uma rebelião dos últimos elementos romanos do exército contra os componentes germânicos venceram a resistência de Stilicho. Honório havia dado ordens para retirá-lo da igreja onde se havia refugiado, em Ravena. O vândalo foi decapitado, assim como sua mulher e seu filho. Stilicho era ariano; a hostilidade dos católicos o destruiu, assim como destruirá Teodorico e o reino vândalo da África. 
             Nos seus "Nouveaux récits de l'historie romaine"(1864), Amadeu Thierry evoca a cavalgada dos Visigodos em direção à Urbs abandonada: "A marcha de Alarico indo invadir Roma sem resistência, no meio do silêncio da Itália, tinha algo de lúgubre e de misterioso. Ele mesmo parecia tomado por uma agitação crescente, á medida que se aproximava dos muros consagrados pela glória, pelo poder, e pelo respeito do mundo inteiro. Foi invadido por uma espécie de embriaguez sacrílega, que despertou em sua alma os instintos do Bárbaro, o orgulho da destruição, a ambição de terminar sob o fio da espada os destinos de uma cidade que se julgava eterna, finalmente a ideia de um saque estranho, único na história, o saque dos tesouros do universo, aí acumulados durante 10 séculos. Ao calor desses pensamentos inflados, sua imaginação exaltava-se; pensava ouvir, ouvia vozes que o haviam perturbado outrora na Panônia, na solidão dos bosques sagrados..." 
              Vindo dos Apeninos, uma anacoreta apresenta-se a ele e suplica-lhe para não "atentar contra a Cidade do gênero humano"; -"-Marcho contra minha vontade, responde Alarico. Existe alguém que me impele e grita sem cessar: Vá conquistar Roma!"
               Os Germanos não incendeiam a cidade. Pilham-na e a evacuam após três dias. Alarico morrerá três meses mais tarde, na Calábria. os homens da sua Gefolgschaft dar-lhe-ão uma das mais estranhas sepulturas em que descansa um rei godo: deviam o curso de um pequeno rio calabrês, o Buxentius (atualmente Bussêncio). No seu leito pedregoso, cavarão o grande fosso retangular ritual. Aí depositam Alarico, sua frâmea, sua longa espada, jóias, objetos para viagem e, com cereteza, o seu melhor cavalo, de acordo com o costume do Norte. Depois farão as águas voltarem para o leito do rio. E, a seguir, matarão os prisioneiros empregados nesse trabalho, para que nenhum italiano possa conhecer o local. Com o retorno do rio sobre a sepultura termina o  estranho ritual.
               Armínius (Armínio) chefe Germânico da tribo dos Queruscos, filho do chefe guerreiro Segimero. Foi comandante militar treinado pelos romanos; chegou a obter a cidadania romana, mas regressou à sua terra Germânia, onde veio reunir as tribos e expulsar o exército romano; sem ele os povos germânicos localizados a leste do Elba teriam sido romanizados; teriam tido, portanto, o mesmo destino dos seus compatriotas estabelecidos nas províncias romanas da alta e da baixa Germânia. Efetivamente, tem-se o direito de duvidar de que os germanos orientais houvessem sido capazes de representar o papel de protetores e conservadores da nacionalidade alemã. Armínio se nos apresenta com a primeira encarnação consciente do sentimento nacional (Volksgeist), e isto numa época em que entre os Germanos existia apenas um vago sentimento de dependência comum. Os sucessores por ele obtidos têm como causa essencial o seu  próprio talento. Assim, como foi pela força coativa da sua personalidade e pelo poder da sua palavra que conseguiu reunir elementos divergentes do seu povo, foi pelo seu gênio guerreiro que conseguiu alcançar a vitória - com guerreiros indisciplinados e mal equipados - sobre o exército bem superior do império universal de Roma, então no auge do seu poderio. Que a educação e o treinamento que ele havia recebido no serviço imperial tenham tido, nisso, uma influência, ninguém o pode negar. Durante muito tempo os Germanos celebraram a memória de Armínio através de cantos heroicos, porém, eles não chegaram até nós. O que dele sabemos, devemos aos próprios Romanos. Eles não negaram ao seu perigoso inimigo o reconhecimento dos seus méritos e ergueram-lhe um monumento digno nestas palavra do grande historiador romano Tácito: "Com certeza, ele foi o libertador da Germânia e atacou não o povo romano no seu início, como haviam feito outros reis e outros chefes, porém no apogeu da sua prosperidade." 
                  A era das ofensivas limitadas se incia com Vespasiano, que restaura a baixa Germânia e reforma, ativamente, de 70 até 79, as operações na alta Germânia. Entre 83 e 96, Domiciano romaniza o Neckar e o Jura Suábio, onde instala, em grande quantidade, colonos galeses: "A ralé dos gauleses", diz Tácito amargamente, "todos aqueles a quem a miséria conduz à audácia, apossou-se de uma terra cujo direito de propriedade era incerto; a seguir traça-se um limes, levam-se as guarnições um pouco mais adiante, e ei-los transformados em ponta de lança do império, e parte integrante de uma de nossas províncias."
                 Os Germanos livres, contemporãneos de Tácito, julgam que estão destinados a entrar na órbita do Ocidente romano, se bem que viviam ainda fora das suas fronteiras (ultra veteres terminos). Considerados como protegidos, os gentes externae só têm como condição obrigatória viver de acordo com a paz imperial. Em Roma, ninguém conhece o Estado verdadeiro do interior da Germânia, no fim do século I da nossa era. A atenção voltada para as agressões dos Sarmatas e para a expansão dos Dácios, a Urbs, a Cidade, não desconfia das agitações dentro do mundo germânico. 
                   O despertar é violento. Em 88 e 92, os Germanos , Quadros e Marcomanos se revoltam no Danúbio, aliados aos Iranianos; os Sarmatas Iaziges. O imperador Domiciano, pessoalmente, com a célere vigésima primeira legião vinda da germânia, apoiada pelos vexillationes retirados das cinco legiões da Mésia, os enfrenta, com dificuldade. por ocasião da sua morte (18 de setembro de 96), nove legiões defendem a fronteira da Panôma, a mais ameaçada do império. Rota luta desesperadamente para manter-se. Tácito constata: "Roma não mais combatia por suas fronteiras, mas apenas pela posse de suas províncias." Nesse caso,a da Iliria. 
                 Entretanto, o motivo escapa a Tácito. Roma não percebe que, se o sangue corre no Danúbio, é por causa das migrações internas do mundo germânico. Segundo Reynold: "Retirando-se para a fronteira do reno e do Danúbio, o império deixava aos Bárbaros um vasto espaço para congregação, de onde podiam dirigir-se tanto na direção oeste como na direção leste, contornando o obstáculo dos Alpes e agarrando a Itália numa tenaz. A posição central da Germânia permitia esta manobra na fronteira interna, enquanto que os Romanos deviam se dispersar numa fronteira externa sinuosa, da Grã-Bretanha até o mar do Norte. 
            De 101 a 1023, depois de 105 até 106, Trajano enfrenta os Dácios; nesse meio tempo, fortifica o médio Danúbio. A destruição total do reino dácio corresponde ao desejo de transformar o Danúbio na principal fronteira europeia do império. Efetivamente, a partir de 90 é nesta fronteira que os Germanos atacam, e não no Reno. Lá, visam, "não mais aos limes e à margem de um rio, mas aos acampamentos das legiões e às próprias províncias. Depois de 106, Roma está em melhores condições para expulsar os Germanos da Boêmia. Mas o apogeu da expansão romana na Europa . Por toda parte,  as legiões esbarram nas instáveis fronteiras germânicas. A partir de 150, sofrerão diretamente as consequências das inquietações do interior da Germânia. Entre Roma e os Bárbaros louros, já não existe a barreira de outros povos. 
              O Império se mobiliza na defensiva, mas não mais nas costumeiras ofensivas.
               De 117 até 160, fixa suas fronteiras. Adriano liquida com as revoltas do Danúbio; constrói na alta Germânia um limes (limitações fortificadas) monumental, cercando o território desde o Tauno até Ratísbona; porém, não é mais uma rota militar fortificada e dirigida para o exterior, mas uma fronteira de muralhas, imensa (para demarcar) "com  a preocupação de economizar, por meio de obras engenhosas e de pequenas guarnições, os efetivos dispendiosos de um exército imperial, requisitados para outras tarefas ou para guerras em outras fronteiras ainda contestadas ou mas fixadas". 
              O  Exército já é menos eficaz do que acreditam os imperadores, inconscientes do perigo germânico, no século II. Por ocasião da morte de Adriano, em 132, o limes da Ilíria garantiu o império; o da Germânia significa apenas o fim das conquistas romanas. Antônio manterá a ordem nas fronteiras demarcadas. 
                  E, em 166, o autor de "Vie de Marco Aurèle" mostra a Itália invadida "não somente pelos Marcomanos e Victoralos, como também por outros evadidos pelos bárbaros do Norte que os empurravam para a frente". Eutrópio, por seu lado, cita: atrás dos Marcomanos, "os Quados, os Vândalos, os Suevos e toda a barbárie". 
              Essa penetração germânica ficou obscura, devido a dados arqueológicos inconsistentes e ausência de textos. Uma única certeza: os Germanos orientais puseram-se em marcha, e empurraram os Germanos ocidentais. 
               Os Godos, expulsos do Vístula com o desembarque dos Gépidas vindos, como eles, da Suécia meridional, invadiram a Ucrânia. expulsos pelos Gépidas, os Burgúndios do Vístula reúnem-se aos da Pomerânia; a nova densidade do grupo o impele para o território dos Semnones, que por sua vez penetram entre os Suevos da saxônia. os dois grupos vândalos separam-se: os ocidentais (Silings) na Silésia, os orientais (Hasdings)m na Galícia, e de lá, através dos Cárpatos, até as fronteiras dácicas. Por toda parte surgem no limes Bárbaros deslocados; eles pretendem estabelecerem-se  em terras do império, sob a ameaça da espada. A conjuntura continuará incerta até 238. 
              A primeira grande "guerra germânica" desencadeia-se de 169 a 174. Marcomanos e quadros atravessa os limites do Danúbio e precipitam-se sobre o noroeste da Itália. O pânico toma conta de Roma no verão de 169. Marco Aurélio, antes de ser afastado por Pompeiano e pelas tropas da baixa Polônia, mobiliza os escravos e recruta os Germanos. No outono de 174, a brecha, aberta pelos invasores, é fechada. Porém, em 177 eclode uma segunda guerra entre os Quados e Marcomanos que termina em 180. Uma coluna de 100 pés romanos, erguida erguida pelo Senado e pela vontade do povo, fixará no bronze o sofrimento de Roma e o espantoso sucesso dos Germanos. Depois da guerra civil de 193, Sétimo Severo exerce uma enérgica vigilância nas fronteiras. Porém, é na Bretanha que terá mais  dificuldade em reprimir as tribos da baixa Escócia. De 211 até 217, Caracala, outro "imperador militar", simulando vida de soldado, combate na alta Germânia uma nova formação, os Alamanos. De 217 a 238, Severo Alexandre e depois Maximino, o Trácio, travam contra eles, os últimos combates nesta zona. A defesa externa parece restaurada por algum tempo. É uma ilusão; os inumeráveis golpes de Estado militares aumentam a desordem interna e apressam a decadência da Urbs.
                 Em 238, surgem os Germanos orientais, na longínqua região do baixo Danúbio, nas costas do mar Negro, perto das cidades gregas pônticas. São os Godos que terminam sua migração norte-sul. 
                 O mundo germânico do século II é um caos em fusão. As antigas confederações culturais mencionadas por Plínio e Tácito estão desagregadas.  
A partir do fim do século II, aparecem novas formações, de cunho mais militar: no mar do Norte os Caucos tomam o nome de Saxões; os povos da Alemanha central se reagrupam sob o nome de Alamanos; as tribos, do lado oposto ao limes do baixo Reno, formam o povo dos Francos e dão nova vida à antiga tradição da Germânia ocidental marítima. No século IV, os Hermunduros serão substituídos pelos Turíngios. No século V, aparecerão os Bávaros. 
                Paralelamente, a Escandinávia meridional é sacudida por movimentos surdos. Na Jutlândia, aparecem os Jutos e os Dinamarqueses. A partir de 285, piratas vindos da Alemanha e da Dinamarca pilham as costas da Gália, da Bretanha e da Espanha setentrional. 
                  Em meados de 250, o império se encontra diante de uma nova Germânia; a leste, a migração gótica, a oeste, os Germanos do mar do norte e aqueles e Elba, vindo reforçar e congregar os antigos Bárbaros das fronteiras. Contra estes últimos, o limes estava preparado. Mas não contra os novos povos. 
                  Começam, então, as usurpações internas dos próprios bárbaros do império. 
                  Entre o verão de 259 e o de 260, as incursões dos Alamanos e dos Francos percorrem a metade oriental da Gália. É a primeira grande invasão bárbara em país germano-romano ou galo-romano. As invasões intensificam-se em 275 e 276. Em 285, a Gália escapará, por um triz, da destruição. 
                Apesar de Roma conseguir conter a migração dos Godos, não consegue expulsar os Alamanos dos Campos Decumatas, nem os Francos do Reno e da Meuse. Então, estes povos passam , em grande número, para o serviço do império. A partir de Probus, os imperadores sistematizam a incorporação dos germanos no exército e, segundo o método de marco Aurélio, a transferência  dos vencidos (dediticii) para o interior das províncias. 
                 Assim se inicia e se acelera a barbarização da pars occidentis, o império romano do ocidente. Probus inclui 16.000 alamanos no exército da fronteira ocidental. Aureliano já engajou Vândalos no exército central de campanha. Prisioneiros e povos inteiros, vencidos, são introduzidos como colonos nas regiões conquistadas. A função dos camponeses gentliles será cada vez mais importante. Osório (VII, 41) pensa que "os Bárbaros, abandonando suas espadas, voltaram-se para a lavoura, vivendo em paz com os Romanos". De fato, seus enclaves e sua importância crescem em proporção geométrica para alcançarem a situação descrita por Camille Jullian: "Não é o Bárbaro da fronteira que terminara com o reino de Roma, através de uma conquista do exterior, quebrando as estrutura do império com um golpe de violência; é o Bárbaro do interior que desarticulará o império com uma usurpação de dentro por uma espécie de partilha antecipada da herança , em benefícios de filhos adotivos e de legatários impostos. 
               O que Tácito não pode prever é a mutação militar dos Germanos orientais. Estes aprendem com os Sarmatas, nômades iranianos saqueadores e cavaleiros, novas técnicas e uma outra tática. Quando os Godos, em 250, atacam em Philippopolis Julius Priscus, legado da Trácia e da Macedônia, portanto, um pique curto em ferro, ou "frâmea", que substitui a antiga lança germânica de ponta endurecida ao fogo, estão armados com a spatha, longa espada flexível e resistente, de lâmina de Damasco, preparada com a soldadura de diferentes aços, nas  oficinas sarmatas da Crimeia. Substituíram o grande escudo hexagonal da infantaria germânica pelo escudo oval dos cavaleiros sarmatas, de largo umbo e rebites chatos. E estas novas armas, levadas ao Norte pela "corrente cultural gótica", desde o início do século III, chegaram até Elba e ao Vístula, onde todos se entusiasmaram com as grandes espadas iranianas. Da mesma forma que se encantam com as novas fíbulas "de pés revirados", os copos de vidro ornados de filamentos, os vasos com caneluras e os objetos do artesanato pôntico. 
                   Em Roma ainda não se sabe, porém, a "longa marcha" dos Godos colocou-os por uns tempos num novo núcleo de barbarismo. Suas armas e suas jóias criando as tradições nórdicas, o cloisonné iraniano e os motivos de animais das estepes, seguem a antiga rota do sudoeste em direção ao noroeste europeu. Os Godos, sempre à procura de terras férteis  e de novos locais para se fixarem, tornam-se os novos Germanos, dos quais o império vai conhecer o poderio e as exigências. 
               Isto e´, a dos seus reis. Porque, aí também, a migração dos Germanos orientais modificou e diferenciou os seus costumes daqueles dos Germanos ocidentais. De acordo com o esquema, já conhecido, da estrutura social germânica, suas subdivisões importantes são guerreiras: a hierarquia é solidificada pelo regulamento guerreiro (Gefolgschaft, comitatus), que prende ao chefe, por juramento, um grupo de jovens combatentes. Em tempo de paz, o poder pertence à assembléia dos homens livres (antigo alemão mahal, escandinavo thing) reunida periodicamente ao ar livre nas planícies ou nas clareiras. Em tempo de guerra, e nos limites habituais, o chefe, hereditário ou eleito, detém um poder quase absoluto. 
                   Tácito, o latino, fica perplexo diante dessa democracia guerreira, totalmente alheia ao mundo jurídico e moral greco-romano. Porém, a realidade, em transformação, ainda é mais complexa do que ele o imagina. Entre os Germanos orientais, ao ritmo da marcha através da Rússia meridional, a função da realeza predomina cada vez mais: no turbilhão dos povos continentais, aqueles que o destino empurra mais longe vão privilegiar seus clãs reais e seus "mitos de fundação", para firmar-se espiritualmente no Norte primordial, enquanto que a energia germânica os projeta para frente.
               E, com a instituição da realeza - os Godos e os Vândalos terão durante muito tempo dois reis para cada povo - a Gefolgschaft muda de significação.(O dualismo da função mdivina de soberania é atestado nas origens indo-européias; daí a razão da germinação real.   A dos Germanos orientais transformam-se numa aristocracia guerreira, cujos "comitês", ligados à pessoa dos chefes, lhes concedem a precedência nas assembleias do mahal. Entretanto, nem os Godos nem os Vândalos suprimem as assembleias. Assim como os Germanos ocidentais não ignoram a Gefolgschaft. Nenhuma regra exclusiva é obedecida; somente o costume prevalece. 
              "Vê-se", diz Musset, "o abismo que separa o mundo germânico da sociedade romana: o primeiro, impulsionado por um singular dinamismo, porém unicamente rural, praticamente iletrado, sem uma verdadeira organização estatal; a segunda, um pouco decrépita, fundamentada sobre a cidade e o direito escrito, e submetida, após Diocleciano , à opressiva autoridade de uma burocracia totalitária." 
                Por trás da geografia política, os homens e a Germanização do vocabulário romano. 
                A grande "marcha dos povos" repeliu para o Oeste e para o Sul as fronteiras da germanização. Sua linha de demarcação linguística, tal como a podemos escalonar a partir do século XII, parte de Boulogne-sur-Mer e passa por Lille, Turnai, Maastricht, Ardenne, os Vosges e a porta de Borgonha, onde o frâncico cede lugar ao alemânico. 
                 Ao sul dessa linha, o onomástico franco transborda, segundo a expressão de Lot, "uma torrente de palavras no vocabulário romano": termos de combate (guerra, esgrima, espionar, vigiar, ferir) de armamento (elmo, cota, espora, estribo), de vestes e adornos (vestido, xale), de direito (banho, penhor, interpretar, afiançar, cessão, alódio, feudo) de habitação e mobiliário (banho, penhor, aldeola, torre, poltrona, banco), de alimentação (bolo, favo, assado), de diversão (dança, harpa). 
            E também termos mais profundos, correspondendo a uma visão do mundo especificamente germânica: (floresta, bosque, cerca, caniço, lúpulo, trigo, feixe, bode) ou, sobretudo, (branco, azul, louro, moreno, cinza, pálido). Com os quatro pontos cardeais Oeste, Leste, Sul e Norte. Porém, estes quatro nomes, que dispomos em flechas, orientam os mares do Norte, somente adquirirão importância depois da entrada, na Normandia, do Vikings escandinavos.

Os Habsburgos e a Suíça

               A história da Europa, em todo o período da baixa Idade Média, é como uma imagem caleidoscópica em contínua mutação: pequenos ou grandes países nascem  ou são absorvidos por vizinhos, novas dinastias brilham com imprevisto fulgor e velhas extinguem-se; as fronteiras dilatam-se ou estreitam-se, seguindo a sorte das guerras ou das heranças soberanas. A Germânia, imenso mosaico de feudos e de influências dinásticas, foiu tal como a Itália e a França, teatro, durante muitos séculos, de contínuas modificações territoriais e institucionais, de maneira que sua história é nada menos do que o resultado de vicissitudes paralelas às de muitos países alemães. 
                De um rochedo que erguia suas torres férreas sobre as margens do Aar, perto de Zurique, surgiu, lá pelos fins do século XII, uma dura estirpe de feudatários, a quem o destino assinalava, no futuro da Europa, um excepcional papel: a família dos Habsburgos. Rodolfo I, fundador da grandeza da casa, tronou-ser rei da Germânia e logo deu a entender aos soberanos menores, desde a  Alsácia até a Boêmia, que o período fluído da anarquia terminara, e que uma poderosa força de vontade dominava novamente os povos germânicos. Para seus filhos, Rodolfo conquistou a Áustria e a Lstíria; dessa época em diante, durante mais de seis séculos, o nome dessas regiões permaneceu indissoluvelmente ligado ao dos Habsburgos, que, do reno, mudaram o centro da gravidade para o Danúbio. Viena tornou-se a capital do Germanismo oriental, o posto avançado da civilização alemã e católica no leste europeu e os Habsburgos foram a alma e o guia deste mundo, que, pouco a pouco, se foi tornando sempre mais diferente daquele nitidamente germânico, mais rude e guerreiro. Além disso, salvo algum período inicial, os Habsburgos conservaram até à era moderna o título  e o poder imperial, tanto assim que o nome de sua casa e o do Sagrado Império Romano se confundiam.  
                  O título imperial, a princípio, não era exclusivamente hereditário, mas concedido eletivamente pelos maiores senhores da Germânia, os chamados "grandes eleitores" e assim ocorreu que , por mais de uma vez, ao herdeiro por direito de sangue fosse contraposto, pela facção adversária, o soberano de outra dinastia e, após a morte de Rodolfo I, cujo filho, Alberto, precisou combater longamente para conservar o trono, e por ocasião da morte do próprio Alberto, ao qual sucedeu Henrique XII, de Luxemburgo. Os chamados "Grandes eleitores" do império se reuniam em assembleia. A sucessão do império era atribuída, além de razões de ordem dinástica, à decisão dos maiores feudatários germânicos; acontecia, por isso, que o herdeiro por direito de sangue, fosse contraposto o de outra dinastia. Estas desordens, naturalmente, não traziam proveito ao poder dos imperadores; a casa de Habsburgo saiu delas bastante abalada e sua estrela, então nascedora, ficou por algum tempo ofuscada. Devido a isso, alguns dentre os mais antigos vassalos da família aproveitaram-se da oportunidade para se libertarem do jugo austríaco e da opressão dos governadores incumbidos de administrá-los.
                  Na batalha de Sempach em 1386, Arnoldo de Winkelried, atirando-se sobre as lanças austríacas e prendendo-as num feixe permitiu a seus homens abrir uma brecha nas forças inimigas; a rebelião alastrou-se, e grande parte do território imperial se abriu definitivamente da hegemonia habsburguesa, constituindo aquele modelo de república independente, que é a Suíça. Como principiou o movimento, não se sabe bem ao certo. Embora se trate de pura lenda, é agradável, todavia, recordar que, realmente, o feroz governador Gessler houvesse ameaçado de morte a quem não lhe cumprimentasse o chapéu, pendurado numa encruzilhada. Um altivo montanhês, Guilherme Tell, infalível atirador, recusou prestar a ridícula homenagem aop símbolo do poder austríaco e, por isso lhe foi ordenado, sob penas de morte, trespassar, com uma flecha, uma mação colocada sobre a cabeça de seu filho, ainda criança; dizem que Guilherme Tell, após realizar a prova, matou o próprio Gessler, com uma segunda flecha bem atirada. 

O gesto do obscuro arqueiro teria sido o sinal de início da revolta; na planície de Ruttli, ou Gruttli, às margens do lago de Lucena, reuniram-se, numa noite de tempestade, os representantes dos cantões da Uri, Schwyz e Unterwalden e juraram defender sua independência até ao último homem. 
              Contra os insurretos, partiram várias vezes os soberanos austríacos, mas, primeiro nas gargantas de Montgarden em 1315, depois junto às  muralhas de Zurique, as aguerridas tropas germânicas sofreram fortes derrotas, graças à queles poucos , mas tenazes montanheses, que tinham resolvido vender bem caro sua liberdade. Aida por duas vezes a brilhante cavalaria imperial tentou dominar os rebeldes, mas em Sempach o  heroísmo de Arnoldo de Wikelried desbaratou a carga dos cavaleiros suevos e, em 1388, em Naefels, idêntica sorte coube ao exército de Leopoldo IV da Áustria. 
                 Com as vitórias de Sempach e Naefols, ficou estabelecida a independência helvética. E, dessas horas de perigo e sangue, nasceu realmente a Confederação Helvética, uma feliz união de homens rebeldes a qualquer autoridade estrangeira, de homens fortes como suas montanhas que, no imenso silêncio das pastagens alpestres, na vasta solidão das geleiras, sempre haviam respirado o vento da liberdade. E, durante sete séculos, a Suíça permaneceu livre e intacta, ao centro de uma Europa devastada pelas guerras, sacudida pelas ambições dinásticas, ensanguentada pelas lutas religiosas: símbolo perene daquelas fraternidade universal que deveria ser o supremo objetivo dos homens. 
                  Como vimos, a família dos Habsburgos assumiram gradualmente uma posição de predomínio entre os grandes feudatários e apoderaram-se da dignidade imperial; vimo-la adquirir imensos territórios, desde a Suíça até a Boêmia, e perdê-los gradativamente devido á rebelião dos súditos. Das lutas pela independência suíça já falamos; a Boêmia caída, com o resto do Império, sob o domínio dos Luxemburgos, depois da arrancada nacionalista provocada pelo verbo de Huss, tornara-se novamente um domínio habsburgês, mas inseguro, em que fermentavam pruridos de revolta. No extremo ponto oriental do mundo germânico, florescia, desde séculos, o reino da Hungria, que, depois do advento dos Turcos no Oriente próximo, tornara-se baluarte da cristandade contra a iminente ameaça muçulmana; e até, em 1241 sobe ao reinado de bela IV, ele sofrera a desastrosa descida dos Mongóis que, felizmente não se haviam atirado mais para ocidente. A Hungria era, então, e assim permaneceu praticamente até o século XV, um país em que as leis e a autoridade soberana não passavam de simples expressões verbais; nas cidades e nos campos, aqui mais ainda, pontificavam os senhores feudatários, donos de imensos latifúndios e de inumeráveis servos da gleba. Desde o início do século XIV, a Hungria começara a imiscuir-se na política européia, isto é, desde quando o trono passava para um ramo de dinastia de Anjou; ligada sempre aos destinos húngaros esteve a Boêmia e, ao tempo de Luis I, eleito rei em 1342, também as Polônia. 
               O rei Luis interveio também na Itália, lançando habilmente suas cartas na luta perene entre Gênova e Veneza e conseguindo apoderar-se da Dalmácia e de Treviso. Aos da casa de Anjou, sucederam-se os Habsburgos, com várias e frequentemente, desfavoráveis peripécias; as notáveis aquisições de prestígio e de território conseguidas pelos de Anjou, foram em grande parte perdidas no decorrer destas mutações dinásticas,  e o próprio progresso espiritual da Hungria, que se ressentira beneficamente em contato com os latinos da Itália, sofreu uma brusca parada.  Eis, então, os Habsburgos novamente no poder, pelo menos nominalmente, sobre vastos territórios húngaro-boêmios; dizemos nominalmente porque, como a Boêmia se encontrava angustiada pelo movimento hussista, que, praticamente anulava a autoridade dos Habsburgos, assim a Hungria se achava em contínua polvorosa devido às frequentes incursões dos Turcos. Foi então quer das nobres famílias dos magiares, guerreiros e cristãos por vocação, emergiu a grande figura de Janos Hunyadi, vovoda (Governador  da Transilvânia); vemos Hunyadi em Milão, no séquito do rei Sigismundo de Luxembrugo, já aureolado, por uma glória lendária, admirado pelos Italianos, que o denominavam "o cavaleiro branco". 
             O lendário valor de Janos Hunyadi, valente e hábil tanto na guerra como na paz, fez dele o herói nacional húngaro. Graças à sua ajuda, foram contidas as frequentes incursões dos Turcos no oriente europeu. Finalmente, vamos reencontrá-lo, já septuagenário, mas ainda animado por uma extraordinária e juvenilíssima energia, em sua última empresa, perto de Belgrado, onde inflige outra de suas muitas derrotas aos otomanos. Corria o ano de 1456; dois anos depois, tendo vagado a trono da Hubngria que, no entanto, pertencia nominalmente a Frederico II de Habsburgo. Surgia, então, o jovem rei Matias Corvino, filho de Hunyadi e com apenas 18 anos, cuja belíssima política do pai aplainara o caminho do poder. Se jamais existiu homem digno de uma herança de glória, este foi Matias Corvino, que arrancou, de fato e de direito, ao seu rival austríaco, a coroa de Santo Estêvão, invadindo a Áustria e chegando a ocupar Viena, sabendo conquistar a estima e a aliança dos soberanos europeus e do próprio Papa; rechaçou os selvagens guerreiros do sultão Maomé II das muralhas de Belgrado e conservou à distância a ameaça turca, enquanto viveu. A Hungria respirou, graças a ele, e pura atmosfera de cultura latina, onde conseguiu bibliotecas, imprensa, que então era invenção muito recente; fez leis e acima de tudo justiça tanto para o humilde como pára o poderoso. À sua morte em 1490, o reino passou para a dinastia boêmia dos Jagelons e, daí, novamente para os Habsburgos, mas o povo húngaro já se libertara das últimas incursões dos bárbaros e possuía consciência de seu próprio valor. 

Os Países Baixos
                  Nas costas da Europa setentrional, batidas constantemente  pelos vastos mares do Atlântico, um povo de camponeses e marinheiros luta, desde séculos, contra a iminente ameaça das águas, arrancando ao mar, pedaço a pedaço, a terra que deve sustentá-lo. Talvez tenha sido justamente essa perene luta contra o elemento adverso, essa permanente sensação de instabilidade, diante do cego poder, sempre pronto a atirar-se sobre seus campos e seus lares, que conservou unidos durante tantos anos aqueles homens de raça tão deferentes e tendências tão várias; e foi certamente a pobreza de sua economia e a crônica precariedade de sua situação que retardaram o desenvolvimento político dos Países Baixos, adiando-o até ao florescer da época moderna. Durante a inteira Idade Média, na verdade, depois da dissolução do império carolíngio, a região não teve uma organização unitária dividida como se encontrava em tantos feudos de diversa importância, e sua história, naquela época, assemelhava um pouco com a história italiana, com as mesmas lutas entre os senhores e a burguesia das cidades, entre oligarquia mercantil e corporações de artesões. Os condado de Flandres, de Artois, de Brabante, de Limburgo, e os feudos menores gravitaram sempre mais, entre os XII e o XII séculos, na órbita dos interesses franceses, embora permanecendo ligados, comercialmente, comercialmente, também à Inglaterra, especialmente no que diz respeito à indústria de  lã; ao mesmo tempo, algumas entre as grandes cidades da região, como Gand, Antuérpia, Amsterdã, Leyda, com a intensificação do tráfico mercantil, assumiam uma autonomia cada vez maior, elegendo uma espécie de governo próprio e libertando-se da oprimente autoridade dos feudatários. Estas cidades encontram-se, bem cedo, em condições de concorrer, seja nos privilégios portuários  sejas nos mercados,  com as frotas da Liga Hanseática, ou seja, com as cidades costeiras da Alemanha do Norte, de Hamburgo a riga, que se haviam coligado para se assistirem reciprocamente no comércio de além-mar. A liga Hanseática assumira, de fato, e também, em parte, de direito, a importância de um verdadeiro estado, de um estado sem território, mas dotado de imensas riquezas e com a frota mais numerosa que corresse os mares de então, pois nos conselhos anuais da Liga, que se desenvolviam em Lubeek, tomavam parte representantes de longínquas estações comerciais, como Bergen e Novgorod, e até mesmo observadores enviados pelos reis da França e da Inglaterra; os bancos emprestavam dinheiro à Liga a juros de 5%, índice de crédito ilimitado de que ela gozava, pois os mais poderosos soberanos a muito custo o conseguiam a juros de 12%. Contra o poderio marítimo desta liga, foram esbarrar as cidades holandesas e se, a princípio, procuraram-lhe o apoio, mais tarde obstacularam-lhe abertamente os negócios, promovendo contra a frota hanseática uma verdadeira guerra. É natural que uma região destinada a tanta properidade, não só agrícola, (as obras de engenharia, com diques e moinhos tinham estendido de há muito a região das terras conquistadas ao mar e a criação de gado progredia em escala sempre crescente) mas sobretudo comercial, constituísse um bocado apetitoso para as nações vizinhas: os reis da França, de Filipe, "o Belo", a Carlos V, procuraram, repetidamente, anexá-la, mas peripécias bélicas e rebeliões locais não deixaram nunca  perdurar tal domínio. Em fins do século XVI, o condado de Flandres, que compreendia grande parte dos territórios da Holanda e Bélgica, passou para Filipe IV, "o Ousado", duque de Borgonha e irmão do rei da França; este procurou reunir sob sua bandeira todos os condados menores e as cidades livres, às quais, todavia, foi obrigado a conceder certa autonomia; nos primeiros decênios do século seguinte, passaram, para os duques de Borgonha, o Artois, o Brabante, o Luxemburgo, a constituir um país tão vasto e poderoso que poderia competir com armas iguais com a própria França. 
                 É sabido, e também muito lógico, que a grandeza artística de um povo coincide, geralmente, com o período de sua maior prosperidade econômica. A escola flamenga deu, do s´peculo XV em diante, artistas de excepcional valor, tais como os irmãos van Eyck, van der Weyden, Merling; com eles, Antonelon da Messina aprendeu o uso das cores em óleo e introduziu-o na Itália. 
                Nas turbulentas cidades flamengas e holandesas, densas de vida nova, regurgitantes de mercadorias e marinheiros de toda parte, na corte dourada do Duque de Borgonha, uma das mais ricas da Europa, florescera, no século XV, os primeiros artistas nórdicos; ourives de técnica requintada e preciosa, miniaturistas delicados, pintores de excepcional vigor criador. Foram, a princípio, os flamengos, em contato direto com os esplendores da corte de Borgonha, que criaram uma escola; os irmãos van Eyck, em cujo atelier nasceu a pintura a óleo, Roger van der Weyden, Hugo van der Goes, Justo de Gand, Hans Nemling, aos quais se seguiram os holandeses DirickBouts e Lucas de Leyda, são artistas de tamanha estatura que podem ser comparados, sem favor, aos mestres italianos da época, de cuja benéfica influência se aproveitavam. 

                   Também a Alemanha, em fins do século XV, começava a dar sinais de vida artística e cultural. As primeiras manifestações de arte genuinamente alemã foram aquelas composições poéticas surgidas entre as confrarias de artesões, de Mestres cantores,dentre os quais famosos foram os Mestres de Nuremberg. 

A Áustria e Maria Teresa de Absburgo
                   Desde o século XII, isto é, desde quando Rodolfo de Habsburgo, elevara os destinos de sua Casa acima de qualquer outra família européia. Áustria e Império tinham sido como que sinônimos. Mesmo depois da morte de Carlos V, o soberano que enfeixava em suas mãos o mais vasto império do mundo, a coroa de Carlos Magno permanecera na cabeça dos Habsburgos. 
                A perda dos domínios espanhóis, o predomínio da monarquia francesa no Ocidente e a crescente independência e poderio dos principados germânicos, dentre os quais pontificava o Eleitor de Brandenburgo, compeliram, insensivelmente, a Áustria a dirigir suas miras expansionistas e sua esfera de influência para o sul e o oriente europeu; do oriente, porém, gravava sempre ameaçador o poderio turco, que impelira suas vanguardas ao longo do vale do Danúbio.  As diversas coalisões a que a Áustria se encontrou ligada, as numerosas guerras e guerrilhas em que se encontraram empenhadas as tropas imperiais durante o século XVII, absorveram apenas a menor parte dos cuidados dos Habsburgos; era rumo à Itália e aos Bálcãs que suas forças políticas e militares concentravam os maiores esforços. A vitória de Zenta, obtida em 1697, graças ao príncipe Eugênio de Sabóia, truncou para sempre as veleidades dos Turcos, que, catorze anos antes, haviam avançado até junto às muralhas de Viena; os Tratados de Utrecht deram ao Império, e portanto aos Habsburgos, os Países baixos e toda a Itália meridional. Esta última ficava perdida poucos anos depois; à Áustria, todavia, permanecia, na península italiana, o Lombardo-Vêneto e o controle efetivo sobre a Toscana, onde reinavam os Habsburgos-Lorena. O nome dos Habsburgos-Lorena leva a pensar naquela que foi talvez a maior figura surgida no trono austríaco, nos últimos séculos, uma mulher que soube reger, com firmeza mais que viril, um império composto  de um amontoado de povos heterogêneos, aos quais ela soube dar aquela coesão e aquele inequívoco que os tornaram um dos maiores estados da era moderna. Carlos VI, último imperador da Casa de Habsburgo, morrera em 1740, sem deixar herdeiros masculinos; com a morte de seu primogênito Leopoldo, ele elevara aquela "Pragmática Sanção" que tornando válida a sucessão, nos domínios da Casa de Áustria, também em linha feminina. estava destinada a provocar um vespeiro de lutas diplomáticas e guerra. Realmente, por força do novo estatuto, subia ao trono da Áustria uma mulher, Maria Teresa,que tinha desposado, alguns anos antes, Francisco Estêvão de Lorena; este, logo depois do casamento, tinha sido eleito Grão-Duque da Toscana, após a extinção dos Médicis, mas não permanecera na Itália por muito tempo. A ascensão de maria Teresa ao trono provocou, como se viu, a imediata reação dos príncipes europeus, entre os quais se destacava Frederico II da Prússia; na hora de extremo perigo, a rainha solicitou ajuda à nobreza húngara, que primava pela coragem e lealdade e cingido, num congresso solene, a coroa de Santo Estêvão, conseguiu arrastar para seu lado o coração e as forças do povo magiar. Da guerra da Silésia (que custou à Áustria a perda daquela rica província, que foi aumentar a grandeza do estado prussiano) e da guerra chamada dos "sete anos", que viu empenhadas as forças de meia Europa; mais do que a política externa de maria Teresa ou das campanhas militares conduzidas pelos seus generais, é oportuno acentuarmos a sua obra legislativa, que fez da Áustria um estado moderno no mais amplo sentido da palavra.  Moderno, que fique claro, somente sob o aspecto administrativo, militar e financeiro. 
                   Em muitos países da Europa, vigorava ainda o regime de servidão, no século XVII. A tentativa do governo austríaco de melhorar as tristes condições dos camponeses provocou resistência de partes dos senhores boêmios e, em consequência, uma grande revolta dos servos, na Boêmia e na Morávia em 1775.  Maria Teresa estava muito ligada às tradições feudais de sua Casa para poder admitir certas formas de igualdade, que nem mesmo a Revolução Francesa poderia impor; a servidão da gleba, inconcebível prática da Idade Média, que permanecerá quase inalterada em todos os países da Europa, com exceção da Itália, foi abolida somente pelo sucessor de Maria Teresa. A soberana conseguiu imprimir uma ordem legislativa uniforme a todos os povos diferentes pelo idioma e tradições, que viviam em seus domínios;lançou as bases de uma política honesta e regular, aquela política econômica a que a Lombardia e o Vêneto devem boa parte de seu atual bem-estar; criou escolas técnicas e grandes indústrias, libertando a produção dos bens de consumo dos entraves corporativos e da estrutura artesanal que pesava sobre eles desde muitos séculos. Em matéria de religião, Maria Teresa deu provas de ideias bem pouco liberais; apesar da caçada aos Jesuítas, devida a  um conjunto de fatores políticos, foi fervorosa católica e tornou dura a vida dos Protestantes; todavia, procurou,também, desembaraçar os sacerdotes austríacos a de uma estrita dependência de Roma e diminuir a ingerência do Papa nos negócios de seu Reino. Em 1870, quando Maria Teresa faleceu, a Áustria era, certamente, o organismo estatal mais sólido e melhor organizado da Europa continental. 



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